sexta-feira, 14 de maio de 2021

As 'Histórias Maravilhosas Bêndix'

  

Minha geração viveu infância feliz, inspirada pelas Histórias Maravilhosas Bêndix, que vinham pela televisão uma vez por semana. Lembro-me de algumas poucas: o milho que nasceu da sepultura do índio nativo das Américas, o patinho feio enjeitado que na verdade era um filhote de cisne, o pai que presenteou a filha manhosa com um disco de prata, que era a lua que ela queria, mas nasceu outra lá no céu, como os dentes de leite.

Bêndix era o nome de uma máquina de lavar roupas, um prodígio tecnológico que naquele tempo significava uma modernidade que vinha libertar as donas de casa de um penoso encargo doméstico. Uma verdadeira alforria. Hoje, no outono de 2021, estamos em plena pandemia e em meio a um infame inquérito no Congresso Nacional, que revolve anos de ignóbil desfaçatez, em busca de compreender como pudemos chegar ao genocídio, à improbidade e à psicopatia que grassa no país. Pergunto-me qual história maravilhosa seria preciso inventar para encantar e despertar a magia e a imaginação das crianças e dos adultos que ainda trazem em si um resquício de esperança da infância.

Seria uma história que nos imunizaria contra todo aviltamento e insanidade que nos contaminam via notícias e bravatas diárias. Ela começaria descrevendo um reino com um povo alegre, educado e engajado, todo cidadão cônscio de que tudo irá bem se cada um praticar de fato a civilidade, for honesto e responsável, comedido nos seus desejos, respeitador do próximo, amante do justo, do belo e do verdadeiro. Esse povo lúcido e partícipe teria sabido eleger dirigentes com autêntico espírito público, empenhados em ver prosperar o coletivo, com liberdade, sabedoria, paz. A ninguém faltaria alimento, lar, trabalho, saúde e educação de qualidade. Povo e dirigentes bem harmonizados teriam aprendido a respeitar as benesses e os limites da natureza, o ar puro, a água límpida, o solo fértil, o oceano e as matas, fontes do milagre da vida.

O desfrute dos encantos da alma ─ a amizade, o amor, a alegria, o espanto da criatividade, da descoberta, do belo ─ passaria a ter mais importância que a posse. Descobrira-se enfim que o sentir traz muito mais satisfação, realização e plenitude para o ser humano que o possuir. Com isso, passou-se a comprar menos, as fábricas diminuíram a produção, a natureza não foi estressada, os recursos não se esgotaram, a poluição regrediu. E não houve falências, desemprego e pobreza. A jornada de trabalho diminuiu, aumentaram as horas de lazer sadio e convívio humano. Muitos dos antigos operários passaram a trabalhar em setores antes negligenciados e carentes: a educação, a saúde, o saneamento básico, a agricultura familiar, a assistência social, a justiça, o entretenimento, as artes, a cultura. Os gerentes engajaram-se na pesquisa científica e na gestão pública irrepreensível.

Os meios de comunicação tinham passado a obedecer a um rigoroso código de ética: só transmitiam fatos comprovados, a verdade inteira, sem omissões, distorções, parcialidades e manipulações. Exaltavam os feitos e os fatos realizados em prol da solidariedade, eram sinceros em condenar os remanescentes da vilania que imperara outrora.

Nesse mundo e nesse tempo maravilhoso voltou-se a contar histórias mágicas para as crianças. Só lamento não conseguir mais me lembrar da maioria delas. Foram soterradas por esse entulho que agora nos sucumbe.

3 comentários:

  1. Marlene Castanho

    A humanidade, desde o princípio, foi passageira dessa gangorra:a vida humana. Observamos e vivenciamos essa realidade... Se por aqui a situação continua ruim, acolá, "países desenvolvidos", a coisa está um pouco melhor, e lá, em Dubai, KKK, a prosperidade, em muitos sentidos, com certeza, está em alta. Mario Sérgio, que bom poder relembrar e sentir até saudades das histórias maravilhosas da infância, escritas por escritores adultos... Sinal de que uma boa pitada de infância continua sempre viva dentro de nós. Por isso, não vamos perder a esperança. Melhor do que se conformar com o mundo, é continuar escavando os entulhos em busca das melhores recordações..., e recria-las. E tem que aproveitar o momento, porque a gangorra da alma criativa do escritor pode estar subindo... Tudo de bom, Mário Sérgio!

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  2. Uma verdadeira utopia , diria Sancho, mas D.Quixote em tom solene
    decreta : é justiça.
    Bravo!!!!!!👏

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  3. Sim. Lembrei também da palavra Utopia nessa sua viagem às historias de sua (nossa) infância. Eu sou um sonhador e nunca perco a esperança que o planeta Terra ainda sera esse lugar descrito por você. E talvez estejamos por aqui ja em outro corpo e mais preparados pra realizar o que sonharam todos os poetas, seresteiros, namorados e pessoas de boa vontade.
    não desistamos. Perseverar sempre.
    abrs.
    Carlos SA

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