quarta-feira, 5 de maio de 2021

A desativação do manancial Alagados

 Publicado no Diário dos Campos em 04/05/2021 e no Jornal da Manhã em 05/05/2021.

Semana passada os jornais de Ponta Grossa noticiaram o anúncio, feito pela gerente regional da Sanepar, da planejada desativação do uso do reservatório de Alagados para abastecimento da cidade. As notícias dão conta de que a partir de 2026 estaria sendo captada água do Rio Tibagi, a um volume de 600 litros/segundo. O investimento estimado para as mudanças seria de R$200 milhões.

Por vários motivos a notícia intrigou-me bastante. Qual a razão da mudança? Dificuldades operacionais ou simples necessidade de aumentar a oferta de água na cidade que cresce e consome cada vez mais? O volume d’água de Alagados vai continuar sendo aproveitado pela captação a jusante, no Rio Pitangui? A mudança visa atender ao aumento do consumo ou ao vício de enfiar goela abaixo da população grandes e dispendiosas obras para enriquecer ainda mais os já enriquecidos? Quem vai pagar essa conta?

Alagados abastece Ponta Grossa há mais de cinquenta anos. A estação de tratamento instalada no início praticamente fazia somente a filtragem das partículas finas em suspensão, pois a água era muito limpa. A bacia de captação era então bastante preservada. Ao longo das décadas isso mudou muito. Atualmente a água captada pela Sanepar nos Alagados apresenta problemas com poluentes e proliferação de algas tóxicas.

Já no Rio Tibagi a situação é muito mais grave. O rio recebe afluentes urbanos e do distrito industrial e sua bacia de captação é praticamente tomada por atividades agrícolas. Por certo seu uso como manancial implicará tratamento cuidadoso, e caro.

A Sanepar analisou a alternativa de poços tubulares profundos, os ditos “poços artesianos”, para suprir a crescente demanda em Ponta Grossa? Apesar de também apresentar senões, o principal deles sendo o risco de poluição quando da ausência de políticas públicas protetoras, o manancial subterrâneo tem muitas vantagens em relação ao superficial: a qualidade da água, na maioria das vezes classificada como água mineral, dispensando tratamento; a possibilidade de localização do poço próximo à comunidade consumidora, dispensando longas redes de distribuição; a produção constante, que independe das anomalias de chuvas e estiagens.

Ponta Grossa está sobre o Aquífero Furnas, que fornece água de muito boa qualidade. Um poço no Bairro San Martin produz a água mineral Royal Fit, que é envasada e distribuída regionalmente. Até agora o município tem conseguido afastar os riscos de poluição do aquífero, as áreas de recarga estão livres do impacto de indústrias, aterros e outras potenciais ameaças.

Só como termo de comparação, os poços tubulares profundos existentes permitem estimar uma média de 10 m³/hora para os poços no Aquífero Furnas. Os 600 litros/segundo mencionados pela Sanepar equivalem a 2160 m³/hora. Então, com 216 poços seriam alcançados os 600 l/s mencionados pela Sanepar. A um custo estimado de R$100 mil por poço, um valor bem exagerado, o custo total seria de R$21,6 milhões. Muito menos que os R$200 milhões mencionados pela Sanepar, ainda que se somassem custos adicionais com distribuição.

Vale então a pena estudar bem a alternativa dos “poços artesianos”. E também outras alternativas sustentáveis, tais como captação da água da chuva e reuso da água. Estas práticas são quase desconhecidas na cidade. Qualquer uma delas deve mostrar-se preferível a um vultoso investimento, num país onde os recursos andam escassos e a população anda sacrificada em demasia.

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