Vale retomar os conceitos de diferenciação, autopoiesis e comunhão ─ do livro O tao da libertação – explorando a ecologia da transformação, de Mark Hathaway e Leonardo Boff, Editora Vozes, 2012 ─. Numa escala universal, os conceitos podem referir-se à explosão do Big-Bang (diferenciação), à criação e evolução dos corpos celestes ─ inclusive a Terra ─ (autopoiesis) e ao suposto Big-Crunch (comunhão), que vai tudo amalgamar de novo, num futuro longínquo. Numa escala pessoal, podem referir-se ao fortalecimento de nossa personalidade e caráter (diferenciação), ao despertar de nossa ética, estética e compaixão (autopoiesis) e à empatia e solidariedade que nos conduzem à identificação e cuidado com o próximo e com a natureza que nos cerca (comunhão). À luz desses conceitos, como anda a sociedade hoje?
Muitas vezes encontramos a palavra “gado” para referir-se à massa indistinta, irracional e amorfa, capaz de atrocidades vistas em aglomerações ensandecidas, até mesmo nos estádios de futebol. Às vezes o gado tem maneiras menos violentas de manifestar-se, como nas “ondas” de modismos fugazes ou na eleição de notórios facínoras, especialistas em oportunismo e ilusionismo. O gado é perigoso, conforme sugere a expressão popular “estouro da boiada”. A maior parte da população, talvez aquela denominada “maioria silenciosa”, é o gado, a manada tangível, a turba ora silenciosamente alienada e omissa, ora desembestada.
Outra parte da população, menor que a anterior, aspira diferenciar-se da manada. No princípio esta aspiração revela-se como competição e ambição cega. É o vaqueiro que tange o gado, não para o bem deste, mas para conduzi-lo ao matadouro. A diferenciação manifesta-se cheia de malícias, de cupidez, de perfídias. O que importa é destacar-se, distinguir-se, doa a quem doer. É aquela fração da população cujo sonho é sobressair-se, amealhar poder, riqueza e celebridade, a qualquer custo.
Outra parte da população, ainda menor, começa a preocupar-se com questões éticas e morais, com o bem estar do próximo e do planeta que nos concede a vida, incluindo plantas, animais, o ar, a água, o solo. São pessoas mais sensíveis, mais receptivas à cultura, à arte, à genuína religiosidade. Substituem o apreço e a atenção por si mesmas pelo olhar ao outro, à vida. São dadas a introspecções e aversões às modas e ondas, acabam discriminadas senão imoladas nas fogueiras da inquisição ou nas cotidianas execrações de todos os tipos de segregações. Começam estas pessoas a exercitar a autopoiesis. São invejadas e odiadas pelo gado e pelos vaqueiros.
Uma derradeira parcela, ainda menor que as anteriores, é a dos pastores. São os verdadeiros messias, que já alcançaram a iluminação, procuram com brandura compartilhar o que aprenderam. São autênticos missionários, que desejam levar os rebanhos não ao matadouro, mas às pastagens que concedam o tempo e a paz necessários para o despertar e a evolução. Alguns destes pastores são os profetas das religiões libertadoras. Outros alcançaram celebridade por tantos que conseguiram fazer ver. A maioria foi brutalmente assassinada, e embora tenham estado entre nós desde há milênios, ainda não lhes aprendemos as lições. Estes pastores dedicam-se a mostrar-nos a inevitabilidade da comunhão, se desejarmos evoluir.
Em qual estágio estaríamos, cada um de nós? É bem provável que tenhamos um tanto de gado, outro de vaqueiro e de pastor. Oxalá saibamos percorrer o caminho da diferenciação e autopoiesis, rumo à comunhão.
Vc sabe como eu era, e por ter apanhado muito da vida , evolui.
ResponderExcluirE hj fico triste por enxergar o que antes passava desapercebido.
Vida difícil essa de ser humano consciente.