Publicado no Jornal da Manhã em 16/06/2022.
Maria vai com as outras é uma expressão de meu tempo de criança e adolescência, usada para aquelas pessoas sem vontade própria, frouxas de caráter, que sempre tinham que copiar ou o padrão pré-estabelecido pela maioria ou a marca imposta por uma gangue. Há muito tempo não ouço nem vejo essa expressão. Hoje ela certamente sofreria a reprovação do politicamente correto. Embora ainda vivamos um mundo machista e misógino, já aprendemos a reconhecer que, mesmo amorosas e pacíficas, as mulheres ─ as marias ─ mostram muito mais firmeza de caráter que os homens. Não consigo atinar com uma expressão atual que bem substitua a arcaica maria vai com as outras. Visualizo uma folha seca ao vento. Não uma rês tangida no meio de um rebanho comportado. Esse é o gado! Pois gado é uma expressão que tem sido usada para uma turba de indivíduos massificados. Não serve para aquele sujeito que chamava a atenção por ser a maria vai com as outras num bando variegado.
Talvez a diferença seja justamente esta. Nos últimos 60 anos aperfeiçoou-se muito a capacidade de sequestrar a vontade própria e o comportamento das pessoas. Se antes as maria vai com as outras eram aquelas esporádicas pessoas que tinham por natureza baixa autoconfiança e a tendência de seguir vontades alheias, hoje rebanhos imensos de pessoas são manipulados para seguir vontades ditadas por sofisticadíssimas tecnologias de propaganda, informação e desinformação. Mesmo que nos consideremos indivíduos com vontade própria, não é fácil resistir aos impulsos que nos reduzem aos cães de Pavlov, que reagem com reflexos condicionados a estímulos cientificamente planejados.
Para quantas finalidades temos sido manipulados! Alguns exemplos: a obediência à moda e ao status, que faz descartar vestuário, veículos, eletrônicos, utilidades, etc. ainda em bom estado, para não sermos rotulados de antiquados e fracassados; a crença que a felicidade é comprar, é possuir, que nos faz escravos de um consumismo compulsivo e nos aliena de valores como autenticidade, parcimônia e solidariedade; a submissão a tirânicos sistemas econômicos que fazem com que acreditemos que a artimanha e o dinheiro dos patrões tenham mais valor que o trabalho; a crença em mentirosas ideologias políticas que nos dizem que o sonho de um mundo de justiça social ou é uma utopia ou é a máscara que encobre regimes totalitários e cruéis; a glorificação de nações guerreiras e que almejam o poder hegemônico mundial a qualquer custo, como se elas fossem os berços da audácia, da liberdade, da oportunidade e dos direitos humanos; a obediência a igrejas que endeusam o dinheiro e a prosperidade, esquecendo valores sagrados.
Qual expressão deve substituir o antiquado maria vai com as outras para designar a manipulação coletiva que tem transformado grande parte da população num grande rebanho mundial? Sozinhas, as palavras alienação, ilusão e logro parecem não dar conta da tarefa. Talvez robotização? Pois, tal como os robôs, deixamos de ter vontade própria. Somos condicionados para reagir conforme a programação a que fomos submetidos.
Vida de gado, povo marcado é povo feliz. Que faz mais felizes seus dominadores, isso sim.
ResponderExcluirabs.
Carlos SA
Acho que por ser o nome mais popular do Brasil, Maria (simplesmente ou composto) é muito utilizado para expressões com os mais variados sentidos. Por exemplo: maria-mijona (saia comprida e mal ajambrada), maria-fumaça (locomotiva movida a lenha), maria-sem-vergonha (flor que tem esse nome porque "dá" em qualquer lugar), maria-louca (bebida destilada feita clandestinamente nos presídios, com cascas de frutas e outros restos...
ResponderExcluirAh, tem a bebida chamada bloody-mary, que significa maria-sanguinária, como era conhecida uma rainha da Inglaterra, filha de Henrique VIII e Catarina de Castela. O pai queria homens para herdar o trono, mas os filhos homens que tiveram morreram bebês. Daí ele se separou, mas para isso teve que romper com o papa. Criou a igreja anglicana e se casou mais duas vezes. Sobrou como filha dele e da Catarina uma filha chamada Mary, ou seja, Maria, que foi internada em um convento. Ela permaneceu católica e fanática. Quando um herdeiro de Henrique VIII morreu, não restou alternativa a não ser entregar a coroa à Mary, que tentou restaurar o catolicismo no país e mandou matar não-católicos, adoidadamente. Saí ganhou o apelido de Maria Sanguinária, Bloody Mary, nome que acabou sendo usado para a bebida cor de sangue, feita com suco de tomate, gim e pimenta do reino.
Enfim, aí foi um pouquinho de cultura inútil.
José C. Lgeski
ResponderExcluirO mundo muda, a consciência coletiva evolui, assim entendo que hoje somos os seguidores das marias.
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