Publicado no Jornal da Manhã em 13/12/2022.
Desta vez não foi tão humilhante como em
2014. Mas não poderíamos ir longe numa copa em que a camisa canarinha carrega
simbolismos tão antagônicos. Lembremo-nos, o futebol teve um papel capital no
processo de conquista da autoestima do povo brasileiro, resgatando-o do
complexo de vira-lata, incutido pelos séculos de colonialismo predatório e
escravagismo.
Da marcante atuação da seleção na copa de
1938, com o artilheiro negro Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, até a
conquista de 1958, com outro fenômeno negro, Pelé, foram duas décadas de busca
da identidade miscigenada e até então segregada do brasileiro. Com as
conquistas de 1962, 1970, 1994 e 2002 o futebol definitivamente emancipou-nos.
Depois veio o vexame de 2014. Alguns dizem
que a humilhação dos 7x1 para a antes freguesa Alemanha foi um “carma
coletivo instantâneo”. A justiça divina teria punido exemplarmente a elite
brasileira presente ao estádio no jogo de abertura, que, menos de um mês antes,
perpetrara o maior ato de injúria da história das copas, para com a presidenta
Dilma Rousseff. Eleita legitimamente, ela era então uma governante empenhada
num governo que priorizasse os pobres e reduzisse as abissais injustiças
sociais que acometem o país. Foi vítima de um estrepitoso “Dilma, vai tomar no cu”, orquestrado pela elite ressentida e
rancorosa por ver questionados o que considera seus privilégios sacralizados.
O vexame dos 7x1 não recaiu só sobre a
elite no estádio que proferiu o coro vergonhoso. Recaiu sobre toda a nação, que
não soube opor-se ao farsesco processo de afastamento de Dilma, consumado em
2016.
Agora, em 2022, o resultado não poderia
ter sido outro que não novo tropeço da seleção canarinha. Até que ela foi longe!
O futebol ainda voltará a representar a emancipação do povo brasileiro de sua
algoz elite escravagista. Ainda haveremos de comemorar com festa e alegria
popular a vitória da habilidade da ginga e do drible, que parece que só a
miscigenação de raças e culturas foi capaz de engendrar. Expressão máxima do
esporte bretão que nasceu elitista e
segregacionista, e tornou-se o maior espetáculo mundial quando alcançou
as várzeas e as massas.
A seleção de 2022, cindida como o povo
brasileiro num cisma político-ideológico sem precedentes, não poderia ir mais
longe. Voltaremos a conquistar um título quando a camisa canarinha voltar a
representar um ideal de nação e de um povo libertos, e não a expressão de
ressentimento de uma parcela da população inconformada e desinformada, que não
quer abrir mão de seus sovinas privilégios, não quer compartilhar as riquezas
que nunca se sacia de pilhar e acumular. Tal qual o craque que, cegado pelo egoísmo
e o deslumbre, apesar de já celebrizado não consegue jogar o jogo coletivo do time;
tem sempre que jogar antes o jogo para si mesmo. E não percebe que ambos
perdem, ele e o time.
Perde junto a nação, que enquanto não
conseguir superar o egocentrismo de parte da população, vai amargando a espera.
Mesmo com a melhor seleção do mundo, e o melhor país do mundo, ainda continuará
perdedora.
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