sexta-feira, 28 de julho de 2023

A primavera chegou!

 Publicado no Jornal da Manhã em 01/08/2023.

No quintal aterrissa, feito um helicóptero, uma daquelas engenhosas sementes voadoras, que a natureza criou para que as plantas-mãe possam reproduzir-se a grandes distâncias. O vão das telhas do beiral da edícula já voltou a acolher a família de andorinhas que retorna todo ano, depois da migração de inverno. E, no céu, as exibidas andorinhas fazem graciosas acrobacias, salpicadas de chilreios de alegria. Debaixo da caramboleira do jardim, a metade de um pequeno ovo de pássaro, as bordas serrilhadas de bicadas, mostra que o ninho acima acolhe uma nova ave. Ao lado, a pitangueira já está coberta de flores e botões, o ar está perfumado, os ouvidos zumbem com a presença de um diligente enxame de abelhas. Em frente à casa, na calçada, a sibipiruna, que ficou completamente desnuda de folhas há duas semanas, já está repleta de novos brotos de um verde luminosamente juvenil.

A natureza está nos dizendo: a primavera chegou! E estamos falando de Ponta Grossa, cidade com clima subtropical, situada num planalto do sul do Brasil a quase mil metros de altitude, com temperatura média histórica do mês de julho de 13,8ºC! Mas, apesar dos sinais que a natureza nos dá, não chegamos ainda ao final de julho, não alcançamos a metade do inverno. Ademais, o noticiário nos informa que temos tido no planeta as maiores temperaturas médias de que se tem notícia. Florestas ardem no Canadá, ondas de calor e temporais fazem vítimas na Europa.

A apressada chegada da primavera, mais de mês e meio antes da data prevista no calendário, a par de ser motivo de alegria pelos sinais de renascimento, torna-se também motivo de grande preocupação. As evidências do aquecimento do planeta estão indisfarçáveis. Para quem quer enxergar, não é mais possível alegar que os alertas para mudanças climáticas radicais sejam fruto do alarmismo de desatinados ou do oportunismo de aproveitadores.

Já há 60 anos temos tido os primeiros alertas do aquecimento global causado pela ação humana. Mas pouco conseguimos fazer para deter essa radical transformação, com consequências imprevisíveis para a humanidade. Iremos sobreviver?

A queima de combustíveis fósseis, os desmatamentos, a descriteriosa utilização agrícola dos solos e a atividade industrial têm sido os principais responsáveis pela emissão dos gases estufa que acirram o aquecimento do planeta. O arranjo socioeconômico que engloba estas atividades declara guerras, é hiperconsumista, incentiva a cupidez humana, cultiva o individualismo e a alienação, concentra renda, dissemina a pobreza, acarreta imenso desperdício de recursos e bens, depreda o ambiente, extingue espécies, desequilibra a biodiversidade. E causa o aquecimento global! O que falta então para tomarmos consciência das insanidades que cometemos? E mudar para uma outra civilização, mais comprometida com sua própria sobrevivência?

Talvez esteja faltando abrir mão da cupidez, que gera a injustiça, a pobreza e a ignorância. Talvez esteja faltando chegar à beira da catástrofe e do morticínio, quando a evidência do erro nos faça escolher, a tempo, caminhos mais ajuizados.

Oxalá despertemos antes de nos precipitarmos no abismo.

8 comentários:

  1. Querido Mário, sou parceiro em seus alertas quanto aos enormes perigos associados ao processo de aquecimento global. Porém, vale uma lembrança, e que trago desde a infância, esses adiantamentos primaveris não são tão raros na natureza climática brasileira. Às vezes acontecem. Como acontecem invernos mais frios o menos frios, como o atual. De outra parte, o aquecimento global tem sido o pretexto mais utilizado hoje pelos administradores públicos e privados para se aliviarem de suas responsabilidades de condução de políticas públicas de redução de riscos de deslizamentos, enchentes, secas, etc., que normalmente vitimam as populações mais pobres e vulneráveis.
    Enfim, temos que conduzir os debates sobre o aquecimento global nos estritos limites da Ciência, dessa forma isolando os que sempre surgirão para tirar proveito de tudo e todos nesse mundão de Deus.
    Forte abraço.

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    1. Prezado Álvaro. Moro em Ponta Grossa já há 27 anos. Este é sem dúvida o inverno mais quente. Sem nenhuma geada aqui em casa ainda este ano. Antes, a primeira geada era em abril. E veja as notícias de aquecimentos em todo o mundo. Não é só por aqui. E sempre vão aparecer oportunistas para tentas tirar proveito de qualquer situação. Até do "desenrola Brasil" já estão se aproveitando. Aí, é outra questão. Vamos do clima à índole humana. Decerto a índole humana é a principal causa dos acontecimentos que temos enfrentado.

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    2. Mário, sem duvidar do fenômeno e da interferência humana nas alterações climáticas, tenho minhas reservas sobre essa onda de "notícias de aquecimentos em todo o mundo".
      Sobre a índole humana, no que diz respeito aos impulsos primários da espécie à sobrevivência, geradores de atitudes egoístas e excludentes no ser humano, há a se considerar que esses se sobrepõem aos impulsos (também de sobrevivência) agregadores, que alimentam o processo cultural civilizatório, muito em resposta ao enorme estímulo com que a sociedade capitalista diuturnamente os promove e alimenta.
      Se vamos alcançar um estágio civilizatório elevado antes de que nos matemos todos, isso é uma dúvida atroz a ser respondida pelas novas gerações. Abração.

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  2. Já estamos no abismos profundo. E não vamos sobreviver. Só a mãe terra sobreviverá.

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  3. A situação do planeta com eventos climáticos extremos me assusta. As estações do ano indefinidas são cada vez mais frequentes. Depois do fundo do poço para onde iremos?

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  4. Vou compartilhar. Conscientizar é o caminho.

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  5. Temos tido exemplos que com essa humanidade que ha por aqui acho que o caminho não tem mais volta e vai piorar muito. Posso estar sendo cético em demasia mas por outro lado creio num plano divino para esse pequeno planeta azul. Essa humanidade não merece o planeta que tem. Não toda é claro, mas boa parte dela.
    Façamos a nossa parte mas cada vez mais esta dificil ter esperança,
    abs. Carlos SA

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  6. Verdade Mário. Na década de 80 tínhamos uma média de 10 geadas por ano... e agora será que dá uma média de uma por ano? Acho que não. Ninguém pode ter dúvidas sobre o aquecimento global

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