quinta-feira, 13 de julho de 2023

O templo Vila Velha

  Publicado no Jornal da Manhã e no Diário dos Campos em 14/07/2023.

O Parque Estadual de Vila Velha foi criado em 1953, por suas pitorescas e singulares formas rochosas, que já atraíam visitantes e inspiravam relatos empolgados desde o século XIX. À época da criação, ainda não eram bem conhecidos nem divulgados os impactos da ação humana na natureza. Os grandes desastres ambientais ainda não tinham acontecido, a preocupação com o meio ambiente era desdenhada.

Desde então, muitos erros foram cometidos no PEVV: restaurantes incrustrados nas rochas, visitação desordenada e depredação, piscina, kartódromo, refletores coloridos, elevador na Furna 1... Tudo isso refletiu um tempo de desconhecimento da justificativa ambiental para a existência das unidades de conservação.

A partir da década de 1980, com o crescente alerta dos desastres ambientais mundo afora e o alvorecer da consciência da necessidade das unidades de conservação para preservação de sítios delimitados relevantes, consolidou-se a legislação ambiental. No Brasil, ela foi finalmente concretizada no SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –, lei publicada em julho de 2000. A revitalização do PEVV e remediação de muitos dos erros pretéritos veio então em 2003.

Os seres humanos têm muita dificuldade de compreender a relevância das UCs e da preservação da natureza. Não temos responsabilidade nem mesmo com a vida, nem a humana nem a dos demais seres vivos! Que diria então conseguir alcançar a compreensão da importância do meio ambiente, que está subjacente ao milagre da vida! E que é responsável pela preservação e evolução das espécies na Terra, nossa única casa comum! Os ruralistas, por exemplo, renegam as UCs, não compreendem que elas são a garantia da preservação do clima, da água, dos polinizadores, do sequestro de gases estufa, do controle natural de pragas, do equilíbrio da biodiversidade... Todos estes são fatores que contribuem para a manutenção da fertilidade e produtividade nos solos agricultáveis. O cidadão comum ainda despreza os alarmes para o aumento da temperatura, os eventos climáticos extremos, a escassez de água potável, a subida do nível dos mares, a extinção de espécies, a exaustão dos solos... Tudo a indicar que estamos a comprometer, para um futuro cada vez mais próximo, a vida no planeta.

A capela de Vila Velha é, do ponto de vista ecológico, um erro como todos os outros, cometidos pela incompreensão da função ambiental das UCs. A diferença é que, se os outros erros eram movidos por conveniências de alimentação, lazer e comércio, a capela o foi pela fé cristã. É preciso debater mesmo questões de fé. Nossa civilização é antropocêntrica, ou melhor, androcêntrica: endeusamos o ponto de vista humano masculino, subestimamos a natureza e o feminino. Não aprendemos ainda a lidar com a Mãe Terra, a Pacha Mama dos povos originário sul-americanos.

Com a radical transformação e degradação do meio natural na região de entorno, o PEVV passou a funcionar como um santuário vivo da biodiversidade. É muito mais que um templo! O Parque contribui para a preservação das espécies e mecanismos naturais que tentam compensar o impacto da ocupação humana. E é um símbolo do esforço para passarmos de um mundo androcêntrico para outro, que equilibre natureza e sociedade, o furor masculino e o amor feminino.

A discussão do tombamento da capela e seu significado como patrimônio cultural não pode ignorar o significado do patrimônio natural representado pelo PEVV.

 

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Beleza de texto. Muito bom. Professor precisamos investir fortemente no ensino básico e fundamental.

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  3. Bom dia !

    Como havia mencionado não conheço o local, mas fica óbvio pelo teor do texto que é de muita importância tanto historicamente, qto sobre a depredação que causaram ao construi-lo.
    Pelo que soube irão decidir nós próximos dias se tombam ou não a igreja ou capela.
    A minha opinião é pelo tombamento da capela.. Pelas lembranças ali vividas pelos moradores e turistas.
    Mas fico feliz por perceber que a preservação ambiental começa , depois de setenta anos , a ser vista como prioridade.

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  4. Bem oportuno o teu texto. Esta semana a temperatura da Terra foi a maior dos últimos 1.000 anos. Estamos abrindo a nossa própria cova.

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  5. Obrigada, Mário pela oportunidade de compreender melhor do que se trata a questão sobre a conservação da natureza! Tua pena possibilita a quem insiste em saber, a renúncia do desejo regressivo da onipotência. Parabéns!!!!

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  6. Bela reflexão!!!

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  7. Sempre haverá um ponto de divergência quando entram em jogo duas importâncias, como o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Creio que a convergência deve aparecer em um debate franco, começando por avaliar-se o tamanho do impacto ao meio ambiente que a permanência ou a demolição de uma estrutura, que, embora não devesse estar, ali está. Será uma pena se o debate ficar no raso de outros interesses, usando essas importâncias como escudo.

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