quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Para que serve o plano diretor?

 Publicado no Jornal da Manhã em 10/11/2023

O plano diretor de Ponta Grossa, uma cidade média de quase 400 mil habitantes, está sendo atacado por empreendedores locais e os vereadores seus defensores. Alega-se que, tal como estão o código de obras, o zoneamento e o uso do solo, investimentos estão sendo brecados, empregos são perdidos, a prefeitura deixa de arrecadar IPTU.

Para que serve, enfim, o plano diretor? As cidades são uma aglomeração anômala de gente, edificações e atividades. Quanto mais cresce o ajuntamento de gente, ou seja, a população, mais são imprescindíveis as regras que humanizem a convivência de tantas pessoas. Há ainda fatores naturais a serem respeitados. É o caso das cidades ribeirinhas, que têm que aprender a conviver com o mutável humor dos rios. É também o caso de Ponta Grossa, uma cidade que ocupa espigões entre arroios divergentes, com problemas ligados a encostas íngremes, abruptos contrastes de urbanização, abastecimento e saneamento, fundos de vale caóticos, perimetrais e sistema viário muito prejudicados; além de fatores históricos: uma cidade antiga, que cresceu demasiado nas últimas décadas, mas tem ruas muito estreitas. Há quem diga que a cidade é média, tem tráfego de cidade grande, motoristas e ruas de cidade pequena.

O plano diretor destina-se, em tese, a estabelecer normas que melhorem a qualidade de vida da população, tanto mais prejudicada quanto mais populosa for a cidade. Por esse motivo procuramos compensar o estresse provocado pela vida urbana com o lazer na zona rural, ou no contato com o mar, no litoral. O plano diretor não deve se destinar a atender os interesses de incorporadores ou da prefeitura na sua arrecadação de tributos. Se assim fosse, ele estaria sendo desvirtuado de sua função original. Os incorporadores é que devem adaptar-se ao que estabelece o plano diretor. Que projetem, por exemplo, edifícios menores, ou em locais onde não prejudiquem a vizinhança. Não façam dos projetos de enormes edifícios uma competição de egos dos projetistas, ou de lucros das empreiteiras. Grandes edifícios significam empilhar muitas famílias numa área de terreno onde deveriam caber poucas. Esse empilhamento traz problemas de saturação do tráfego, de aumento da poluição, de abastecimento de água e energia, de saneamento, obstrui o sol, interfere na circulação atmosférica, ecoa e aumenta os ruídos urbanos, implica custos de aparelhamento do Corpo de Bombeiros e outros serviços públicos. Por isso é preciso analisar com muito critério a incorporação de grandes edifícios. Não é impedi-la, mas discipliná-la, de modo que os lucros das empreiteiras não signifiquem prejuízo na vida dos moradores.

Querer adaptar o plano diretor aos interesses dos incorporadores e à arrecadação da prefeitura é uma aberração, um atentado ao discernimento. O certo é que os empreendedores e a administração pública respeitem características naturais e históricas da cidade, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população. Se não for assim, será dar prioridade ao lucro, ao dinheiro, e não ao ser humano que habita a cidade. E quanto à geração de empregos, se o plano diretor for cumprido, empreendimentos que o obedeçam continuarão a ser gerados, trabalhadores continuarão a ser necessários.

Que Ponta Grossa, uma cidade em franco crescimento, saiba progredir valorizando o ser humano e a qualidade de vida.


5 comentários:

  1. A LÓGICA INERENTE AO CAPITAL, DESCONHECE A RAZOABILIDADE DO SER HUMANO! O POVO SEM INSTRUÇÃO, VOTA NOS QUE LHES PROMETEM MIGALHAS, SEM ATENTAR PARA O FUTURO. TRISTE SINA...

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  2. Concordo com o Luciano. Uma pena darem prioridade ao lucro então a qualidade de vida. Prédios alocam mais pessoas mas roubam o sol das casas e no mais furtam a privacidade também.

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  3. Infelizmente dá desgosto acompanhar o plano diretor de PG, desde 2016, quando começaram suas tratativas. O poder público se curva diante do setor privado de forma bajuladora e servil.

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  4. Excelente matéria, professor. A cidade ficou "bonita" com tantos prédios altos, mas com altos custos que não são enxergados pela população. Custos que se escondem atrás da beleza, atrás do orgulho, e principalmente, atrás de lucros que não retornam para a coletividade, na forma de melhorias nas periferias, como saneamento, conservação de vias públicas, e mesmo com lazer mais próximo.

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  5. Assunto relevante. Merece ser tratado com muita responsabilidade pela gestão pública.

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