Publicado no Jornal da Manhã e no Diário dos Campos em 04/11/2023.
As notícias são paradoxais: verão com
temperaturas recordes e incêndios no Hemisfério Norte, inverno sem frio no
Hemisfério Sul, seca na Amazônia, chuvas recordes com grandes inundações no sul
do Brasil. E há ainda quem teime refutar que estejamos já vivendo as
consequências do aquecimento global, provocado pela atividade humana.
Hoje presenciamos o contrassenso da seca
na Amazônia e chuvas recordes no Sul. Mas este quadro é só um sintoma
passageiro de um desarranjo climático cujas manifestações futuras são
imprevisíveis. Amanhã é bem possível que tenhamos seca também no Sul, sobretudo
se se agravar a seca na Amazônia. Graças a um arranjo singular na América do
Sul, que combina a ação das correntes atmosféricas com a localização da Bacia
Amazônica e da Cordilheira dos Andes, temos os “rios voadores”, que trazem a
umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Se não fosse esse
singular arranjo, seríamos aqui uma área desértica, como são todas as outras
regiões do planeta nas mesmas latitudes, seja no Hemisfério Norte ou no Sul.
Muitos pesquisadores têm alertado que os
eventos climáticos extremos que temos presenciado, incluindo entre eles os
antes desconhecidos e agora comuns ciclones extratropicais que têm afetado o
sul do Brasil, são já consequências do aquecimento global. E têm alertado
também que a distribuição das chuvas e da água no planeta está sendo drasticamente
afetada. E já não é possível evitar estes eventos climáticos extremos. É
obrigatório que saibamos nos adaptar a eles. Já passamos da hora da prevenção,
chegou a hora da adaptação.
Diante desse quadro, é necessário
repensar, ainda com mais prudência que antes, o papel dos reservatórios
subterrâneos de água potável, os chamados “aquíferos”. É neles que se situa a
maior parte da água doce: no planeta, só 3% da água é doce, 69% da água doce está
congelada nos polos, 97% da água doce não congelada está contida nos aquíferos,
só 3% é água superficial, de rios e lagos, o que corresponde a 0,009% da água
existente na Terra. A conclusão é que, com o desvario do clima induzido pelo
aquecimento global, vamos depender cada vez mais da água dos aquíferos.
O que o Aterro Botuquara tem a ver com
isso? O Botuquara funcionou como lixão a céu aberto de Ponta Grossa desde a
década de 1970 até o início dos anos 2000. O local foi escolhido por ser um
terreno da prefeitura, o lixão não cumpria nenhuma norma técnica, nem mesmo a
impermeabilização do substrato. E o Botuquara está sobre o Aquífero Furnas, que
já abastece, através dos chamados poços artesianos, muitas indústrias, postos
de combustíveis, hospitais, escolas, granjas, supermercados, abastecimento
público e privado em Ponta Grossa. Estudos realizados com dados de 2010
revelaram que, naquela época, os poços artesianos já podiam atender a mais de
50% da demanda de água da cidade.
Os aquíferos são um enorme reservatório de
água de boa qualidade, mas têm um problema: não podem sofrer poluição. Se forem
poluídos, a recuperação é inviável. Ou seja, há que zelar pela preservação dos
aquíferos, se queremos preservar estratégicas reservas de água potável para o
incerto futuro hídrico que se nos apresenta.
Em conclusão, é necessário retirar a
montanha de lixo do Aterro Botuquara do local onde se situa hoje, sobre o
Aquífero Furnas. Lá, o lixo representa risco enorme de contaminação do aquífero,
pela infiltração do chorume. Ameaça agravada com as fortes chuvas que têm caído
atualmente.
Há outros locais no município, com rochas
e solos impermeáveis, que poderiam servir de depósito mais adequado para o lixo
do Botuquara, sem ameaças para o aquífero. Se os administradores não providenciarem
esta mudança com urgência, estarão comprometendo a principal reserva de água
potável para o futuro da região.
Se já passamos da época da prevenção, tristemente evoluindo para a época da adaptação, o que virá depois? A morte inevitável?
ResponderExcluirValeria a pena alertar os que conduzem os caminhos do nosso futuro sobre o perigo do lixão do Botuquara. Seria uma contribuição para manter a vida por mais um tempo.
Grande, Mário Sérgio. Preocupante e irreversível. O colapso de grande parte da humanidade será justamente pela sua própria ação. Já leu o livro "Colapso" de Jared Diamond? Conta as repetidas vezes que sociedades se autosabotaram e foram extintas. Recomendo.
ResponderExcluirUm colapso nos aguardando. Como já foi dito , passamos da época da prevenção, reverter seria um milagre infelizmente.
ResponderExcluirTem gente que acha que "comida no prato" é tudo. Mas sabemos que preservação ambiental garante "água no copo" e na lavoura. Aproveito o comentário para dar o "spoiler" do lançamento, em dezembro, do meu livro Amazônia de todos nós - um alerta poético à humanidade, de minha autoria, prefaciado pelo ilustre professor Mário Sérgio de Melo, a quem admiro pelo caráter e competência. Gratidão, Mário, por suas palavras sábias e amáveis.
ResponderExcluirbatendo no traseiro. Aí é tarde. Abração geológico.
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