Publicado no Jornal da Manhã em 17/12/2024
Distopia é algo como o contrário de utopia. Utopia seria um
lugar (topos) melhor que este onde
estamos vivendo. Não uma quimera irrealizável, como alguns teimam em tentar
estigmatizar o sentido da palavra. Utopia é um sonho alcançável, cuja primeira
exigência para ser realizado é ser sonhado. Depois vêm outras exigências:
planejamento, estratégia, resiliência, perseverança... Há quem diga que “um
sonho bem sonhado é meio caminho andado”.
Distopia seria então um lugar ainda pior que este que
estamos vivendo. Muito se argumenta e se alerta que nossa civilização atual,
com seus desatinos, está celeremente caminhando para uma distopia. Um paradoxo,
visto que nunca conseguimos amealhar e compartilhar tanto conhecimento e
tecnologias que, em princípio, deveriam melhorar a vida. Mas parece mesmo que
evoluímos muito tecnologicamente, e regredimos ética e espiritualmente. As potenciais
maravilhas que inventamos parecem mais capazes de destruir-nos ou alucinar-nos
– e igualmente destruir-nos – inapelavelmente.
Se considerarmos os mais ou menos 200 mil anos de
existência do Homo sapiens, somos
ainda muito jovens, comparados com os primeiros vertebrados, que existem há
mais de 400 milhões de anos. Temos ainda o cérebro reptiliano preponderante,
que é regido pelos instintos da agressividade, do poder e da sexualidade.
Impulsos essenciais para a sobrevivência, ela que foi a principal preocupação de
nossos ancestrais humanos a até cerca de 10 mil anos atrás. O cérebro límbico
(zelo com a prole e o bando), o neocórtex (raciocínio lógico) e o suposto e
incipiente cérebro hipofisário (ética, solidariedade e espiritualidade) ainda
são submissos ao cérebro reptiliano e seus instintos de preservação da espécie.
É pelo fato de ainda agirmos muito como répteis - os nossos longínquos ancestrais - que parece muito factível imaginar distopias marcadas por injustiças, desigualdades extremas, guerras, miséria, pandemias, crises ambientais, segregacionismo, enlouquecimento e destruição da humanidade e até do planeta. As crises atuais que vivemos já fazem acreditar nisso. Ainda são crises, não chegamos – queremos crer – ao ponto do colapso sem retorno, sem salvação. Inúmeros livros, filmes, séries, que ainda classificamos como “ficção científica”, retratam tais distopias: Admirável mundo novo, 1984, Blade Runner, Matrix, Ensaio sobre a cegueira, Laranja mecânica, Idiocracia, Eu sou a lenda, WALL-E, Elysium, Interestelar, Mad Max são só alguns poucos de uma longa lista de títulos.
Estaria a imaginação criativa da humanidade antevendo as
possibilidades do futuro distópico que estamos construindo? Arsenais nucleares,
guerras de extermínio, aquecimento global, endeusamento do mercado e do
dinheiro, alastramento da desinformação, rendição à inteligência artificial, pandemias,
séculos de um sistema econômico que cultiva o egocentrismo, a competição, a exploração, a
concentração da riqueza, a disseminação da pobreza e o hiperconsumismo não são
já evidências suficientes para mostrar-nos que estamos a caminho das imaginadas
– ou seria melhor denominá-las premonitórias – distopias?
A humanidade encontra-se diante de um dilema crucial, e as
distopias que a ficção nos apresenta parecem querer alertar-nos: ou aprendemos
com os muitos erros que temos cometido, ou logo a barbárie das distopias
tornar-se-á realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aos leitores do blog que desejarem postar comentários, pedimos que se identifiquem. Poderão não ser postados comentários sem identificação.