Publicado no Diário
dos Campos em 28/03/2015.
O bizarro início
de frase acima foi proferido no ano de 1973, por um professor de Paleontologia
durante uma aula do curso de Geologia da USP. Obviamente, tratou-se de um ato
falho do já falecido professor, que teria pretendido dizer “nós, os
mamíferos...”. Pela sua naturalidade e picardia, a frase tornou-se um mote do
curso de Geologia à época: apareceu estampada em camisetas, foi pichada em
muros da universidade, foi impressa no jornal do centro acadêmico e era
pronunciada amiúde, sempre que se pretendia ressaltar incoerências e
contradições praticadas por qualquer um de nós, humanos. Mamíferos ou répteis?
Mas quanto
presságio poderia estar contido naquela aparentemente desastrada e risível
frase! Pois após ela ter sido proferida alguns fatos nos levam a refletir sobre
o quanto ainda somos répteis.
Os antropólogos e
neurocientistas enfatizam que o Homo sapiens tem três cérebros: o mais antigo e
primitivo, o cérebro reptiliano, é herdado dos répteis, e é responsável por
nossos comportamentos instintivos, sobretudo o instinto de sobrevivência, que
nos faz desconfiados, intolerantes, agressivos, competitivos, individualistas,
ambiciosos; depois, há cerca de 230 milhões de anos, apareceu com os mamíferos
o cérebro límbico, responsável por emoções que facultavam às mães a capacidade
de cuidarem de suas crias até que elas pudessem enfrentar por si mesmas as
agruras da vida; por último, há cerca de cinco milhões de anos, apareceu o
cérebro neocortical, responsável pela capacidade de discernir, de estabelecer
relações e previsões, enfim, de raciocinar.
Apesar dos
inegáveis avanços da civilização atual, a par do conhecimento e da tecnologia
talvez nunca tenhamos sido tão consumistas, tão competitivos, tão
individualistas e tão condicionados por reflexos instintivos e agressivos.
Alguns exemplos? As maiores indústrias do mundo hoje são a da guerra e a do
petróleo, esta para mover as máquinas de guerra. Outro exemplo? A corrida aos postos
de combustível do Brasil no mês de fevereiro passado, quando a mídia alardeou
um desabastecimento que nunca ocorreu. Ou seja, parece que estamos numa época
de conduta reptiliana, ocasionalmente associada com o cérebro neocortical. E
abandonamos temporariamente o cérebro límbico, que nos permitiu o zelo, a
solidariedade, a compreensão, a tolerância, o discernimento.
Então, estaríamos
nós, atualmente, nos comportando mais como os répteis, e fazendo jus à
despretensiosa frase do desatento professor de Paleontologia? As intolerâncias
e irracionalidades dos dias atuais parecem nos dizer que sim. Pois vivemos ao
mesmo tempo a civilização da informação, do consumismo, da manipulação e da
farsa. O colossal volume de informação que está a nosso alcance parece visar,
sobretudo, fazer-nos consumir. A mídia cumpre seu papel nesse arranjo,
empenhando-se em convencer-nos da felicidade contida no consumo, seja de
produtos, de comportamentos e ideologias clichês. E nunca antes fomos tão
hipócritas, fazendo de conta que somos felizes e tudo vai bem, enquanto cresce
a criminalidade, a violência, a corrupção, a intolerância, a ignorância, a
incivilidade, a arrogância, a omissão, a conivência. Não respeitamos, não
discernimos, preferimos seguir um consenso artificial que nos é sutil, mas
implacavelmente imputado.
E o que é pior,
como poderíamos diminuir os arroubos de nosso cérebro reptiliano em nome de
mais expressão dos nossos cérebros límbico e neocortical? E cuidando para que
estes estejam em harmonia, pois a sensatez depende do equilíbrio da emoção com
a razão? Talvez isso fosse possível por meio da educação, da cultura, das
artes, da ética inspirada na espiritualidade. Então, e como andam estes temas
no mundo atual?
Afinal, nós, os
répteis, ou os mamíferos Homo sapiens?
Prefiro crer que estejamos só num lapso de animalidade, talvez um lampejo de
nossos distantes ancestrais escamosos. Mas a afetuosidade e a racionalidade hão
de preponderar sobre o egoísmo reptiliano. Lembrem-se, no tempo dos répteis, as
fêmeas deixavam os ovos a serem chocados pelo sol, enquanto elas mesmas iam
alimentar-se dos ovos de suas vizinhas. E as vizinhas, onde andavam?
Apenas uma correção: a frase foi dita em 1983, para a minha turma, que ficou conhecida como os répteis!
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