Publicado no Diário dos Campos em 26/04/2015
Quando era ainda
bem jovem, li o livro Psicanálise da
sociedade contemporânea, de Erich Fromm. Lembro que o livro me marcou
profundamente, fez-me rever toda a visão de mundo e de mim mesmo que tinha à
época. Mas, confesso, salvo que ele promoveu essas grandes transformações
pessoais, pouco me lembro com precisão do conteúdo do livro.
Mas atualmente
ocorre-me a urgência de pensarmos a psicanálise da sociedade brasileira.
Sabemos do arraigado hábito de o brasileiro culpar o governo por tudo o que
anda de errado e nos incomoda. Diriam os psicanalistas que este é um
inescapável estratagema do indivíduo para autoproteger-se; se nos vemos
impotentes perante uma situação indesejável, ou perante a necessidade de uma
transformação imperativa da qual não somos capazes, ao invés de culparmos a nós
mesmos por essa impotência, culpamos alguém fora de nós, projetamos a culpa, e
assim nos livramos de nos destroçarmos em autocensuras e derrotismos.
E quem culpamos
fora de nós? Ora, o governo, claro. Tudo o que vai mal em nossa sociedade é
culpa do governo e dos políticos. Pelo menos era assim até algum tempo atrás. O
governo era então quase que um ente impessoal, como o “mercado” hoje, outro
ente impessoal que parece ditar regras surrealistas a que temos que nos
submeter.
Mas o governo hoje
já não soa mais impessoal. Ele ganhou personificação, na presidente em exercício
e no seu partido político. Mas convém lembrar que esta personificação atual,
que antes não existia, é fruto de um colossal trabalho de manipulação
midiática. A grande mídia trabalha, ou melhor, manipula incessantemente para
que, perante nossa insatisfação e impotência de superar os atavismos de nós
mesmos e de nossa sociedade, culpemos a presidente e seu partido. E nos últimos
anos estamos culpando também a Petrobras, a maior empresa do país, e uma das
maiores ameaças ao cartel internacional que controla a principal fonte de
energia do planeta.
Mas por qual
motivo a grande mídia estaria exercendo esse implacável trabalho de
convencimento do cidadão de que as causas externas de seus males são a
presidente, o seu partido, a Petrobras? Bem, para começar a tentar responder a
esta pergunta seria necessário muito mais que o espaço disponível nesta coluna
que o jornal franqueia ao leitor. Seria necessário que o cidadão concordasse em
fazer sua psicanálise, e assumisse a postura de protagonista de sua vida, deixasse
de ser um protagonizado, um manipulado. Isto implicaria dedicarmo-nos a
observar e reconhecer nossos próprios atavismos, sem nos destruirmos pela
culpa. E encetarmos a tarefa de nos transformarmos, e transformarmos a doentia
sociedade que construímos, que vivemos.
Alguns sociólogos
e filósofos atuais têm afirmado que o cidadão médio não está disposto a esta
tarefa. Prefere a alienação e a ilusão de culpar o governo, a presidenta, o seu
partido, a Petrobras. A grande mídia, e os interesses oligárquicos que ela
personifica, fica bem satisfeita com sua eficácia. O cidadão comum revolta-se,
enraivece contra estes culpados exteriores. Eles poderão até mudar, mas o
cidadão não muda, a sociedade não muda, as oligarquias não mudam.
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