Publicado no Diário
dos Campos em 30/07/2013
Durante cerca de
três meses ao longo do ano de 1994, perpetrou-se um dos maiores genocídios da
história em Ruanda, país independente desde 1962, antes dominado pela Bélgica
por mais de 50 anos. Estima-se que o genocídio conte cerca de 800 mil vítimas.
Ele resultou do ódio entre duas etnias, a maioria hutu e a minoria tutsi. Esta
última antes ocupava os cargos de liderança do país, e foi a maior vítima do
hediondo massacre.
Em seu livro E se Obama fosse africano? o escritor e
biólogo moçambicano Mia Couto nos alerta que aquele foi o massacre da história
em que se matou mais gente em menos tempo, e que antes de 1994 um hutu ou um
tutsi, se perguntado, declararia que um tal massacre seria inimaginável. O
autor africano conclui que “a capacidade de produzir demónios é ainda muito grande
em nossos países.”
Refletindo sobre a
pessoa humana e comparando o genocídio de Ruanda com outros recentes, no
Vietnã, no Iraque, no Zimbábue, Mia Couto assevera que elites criminosas foram
capazes de manipular comunidades que antes conviviam em harmonia, lançando-as
no ódio.
Será que estes
alertas são aplicáveis ao Brasil e à América do Sul, que guardam amargas
diferenças e semelhanças com África e Ásia? Talvez tenhamos que pensar mais
sobre estas coisas. O Brasil, por exemplo, já foi exaltado por ser um país
pacífico, cheio de recursos naturais, com uma harmonia religiosa e linguística
que o elevam à suposta condição de uma nação de futuro muito promissor. Então,
qual a razão de nos desesperarmos de ver este futuro tantas vezes anunciado
sempre ser adiado?
Devemos nos
perguntar se por aqui não andamos a sofrer dos mesmos males cultivados pelos
colonizadores alhures, que há séculos praticam o aforismo “dividir para
governar”. Pois não é isto que estamos constatando quando vemos os rumos que
estão tomando as manifestações dos brasileiros que têm ido às ruas clamando por
mais democracia e mais ética? Se no início essas manifestações pareciam
espontâneas e legítimas, os vandalismos tão enfatizados pela grande mídia estão
a tirar-lhes a autenticidade. Foi com muita apreensão que li o significativo
relato de uma grande manifestação em São Paulo, iniciada no bairro de
Pinheiros, e que, manipulada, originou marchas para três destinos distintos. E
este foi só um entre muitos exemplos de manipulação.
Também espanta o
ambíguo poder das redes sociais. Por um lado, elas conseguem organizar grandes
manifestações à revelia dos meios formais de comunicação. Por outro lado, por
elas transitam grotescos materiais apócrifos e caluniosos incitando à
emotividade, à irracionalidade, à segregação, à intolerância. Enfim, incitando
à divisão e ao sectarismo, ao ódio ao diverso, seja ele a classe social ou
econômica, o partido político, a ideologia, o gênero, a cor da pele, o estado
ou região de origem, a crença ou até o time de futebol!
Será que o Brasil,
e toda a América do Sul, estão sendo também vítimas de deliberados esforços de
“dividir para governar”, perpetrados não mais pelos colonizadores dos séculos
passados, mas pelos novos colonizadores menos identificáveis deste século XXI?
É muito
recomendável que nos façamos esta pergunta. Ao menos para que procuremos ser
mais sensatos e menos virulentamente irracionais. E sejamos mais respeitosos
com aquilo que há a respeitar na nossa jovem e incipiente democracia. Ou será
que já nos tornamos incapazes de reconhecer que, independente dos erros de
líderes e seus partidos políticos, temos conquistado importantes avanços em
nosso país? Há que saber discernir entre os erros a corrigir e os acertos a
preservar e aprofundar.
O próprio Mia Couto
dá-nos alguns conselhos: primeiro, passar por nossas mentes alguns “antivírus”
de bom-senso, para livrar-nos dos maliciosos hóspedes da intolerância que têm
sido implantados via insidiosa propaganda; segundo, é preciso “pensar”, no
sentido original da palavra, que quer dizer “curar” ou “tratar” um ferimento,
de modo que escapemos das prisões do pensamento viciado e sejamos capazes de
praticar a saudável “inquietação crítica”.
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