domingo, 25 de outubro de 2015

O alerta de Ruanda: progresso ou genocídio?


Publicado no Diário dos Campos em 30/07/2013         

Durante cerca de três meses ao longo do ano de 1994, perpetrou-se um dos maiores genocídios da história em Ruanda, país independente desde 1962, antes dominado pela Bélgica por mais de 50 anos. Estima-se que o genocídio conte cerca de 800 mil vítimas. Ele resultou do ódio entre duas etnias, a maioria hutu e a minoria tutsi. Esta última antes ocupava os cargos de liderança do país, e foi a maior vítima do hediondo massacre.

          Em seu livro E se Obama fosse africano? o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto nos alerta que aquele foi o massacre da história em que se matou mais gente em menos tempo, e que antes de 1994 um hutu ou um tutsi, se perguntado, declararia que um tal massacre seria inimaginável. O autor africano conclui que “a capacidade de produzir demónios é ainda muito grande em nossos países.”

          Refletindo sobre a pessoa humana e comparando o genocídio de Ruanda com outros recentes, no Vietnã, no Iraque, no Zimbábue, Mia Couto assevera que elites criminosas foram capazes de manipular comunidades que antes conviviam em harmonia, lançando-as no ódio.

          Será que estes alertas são aplicáveis ao Brasil e à América do Sul, que guardam amargas diferenças e semelhanças com África e Ásia? Talvez tenhamos que pensar mais sobre estas coisas. O Brasil, por exemplo, já foi exaltado por ser um país pacífico, cheio de recursos naturais, com uma harmonia religiosa e linguística que o elevam à suposta condição de uma nação de futuro muito promissor. Então, qual a razão de nos desesperarmos de ver este futuro tantas vezes anunciado sempre ser adiado?

          Devemos nos perguntar se por aqui não andamos a sofrer dos mesmos males cultivados pelos colonizadores alhures, que há séculos praticam o aforismo “dividir para governar”. Pois não é isto que estamos constatando quando vemos os rumos que estão tomando as manifestações dos brasileiros que têm ido às ruas clamando por mais democracia e mais ética? Se no início essas manifestações pareciam espontâneas e legítimas, os vandalismos tão enfatizados pela grande mídia estão a tirar-lhes a autenticidade. Foi com muita apreensão que li o significativo relato de uma grande manifestação em São Paulo, iniciada no bairro de Pinheiros, e que, manipulada, originou marchas para três destinos distintos. E este foi só um entre muitos exemplos de manipulação.

          Também espanta o ambíguo poder das redes sociais. Por um lado, elas conseguem organizar grandes manifestações à revelia dos meios formais de comunicação. Por outro lado, por elas transitam grotescos materiais apócrifos e caluniosos incitando à emotividade, à irracionalidade, à segregação, à intolerância. Enfim, incitando à divisão e ao sectarismo, ao ódio ao diverso, seja ele a classe social ou econômica, o partido político, a ideologia, o gênero, a cor da pele, o estado ou região de origem, a crença ou até o time de futebol!

          Será que o Brasil, e toda a América do Sul, estão sendo também vítimas de deliberados esforços de “dividir para governar”, perpetrados não mais pelos colonizadores dos séculos passados, mas pelos novos colonizadores menos identificáveis deste século XXI?

          É muito recomendável que nos façamos esta pergunta. Ao menos para que procuremos ser mais sensatos e menos virulentamente irracionais. E sejamos mais respeitosos com aquilo que há a respeitar na nossa jovem e incipiente democracia. Ou será que já nos tornamos incapazes de reconhecer que, independente dos erros de líderes e seus partidos políticos, temos conquistado importantes avanços em nosso país? Há que saber discernir entre os erros a corrigir e os acertos a preservar e aprofundar.

          O próprio Mia Couto dá-nos alguns conselhos: primeiro, passar por nossas mentes alguns “antivírus” de bom-senso, para livrar-nos dos maliciosos hóspedes da intolerância que têm sido implantados via insidiosa propaganda; segundo, é preciso “pensar”, no sentido original da palavra, que quer dizer “curar” ou “tratar” um ferimento, de modo que escapemos das prisões do pensamento viciado e sejamos capazes de praticar a saudável “inquietação crítica”.

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