Publicado no Diário dos Campos em 24 de janeiro de 2016
Genoíno era um pacato operador de retroescavadeira que trabalhava na preparação das fundações dos grandes edifícios da cidade de Ponta Grossa (a Princesa dos Campos). Abria grandes buracos, estava acostumado a encontrar neles aquela rocha sedimentar lamosa e escura que cheirava enxofre.
Genoíno era um pacato operador de retroescavadeira que trabalhava na preparação das fundações dos grandes edifícios da cidade de Ponta Grossa (a Princesa dos Campos). Abria grandes buracos, estava acostumado a encontrar neles aquela rocha sedimentar lamosa e escura que cheirava enxofre.
Um dia,
durante uma das escavações, apareceu um homem com um martelo de pedreiro
dizendo-se geólogo professor da universidade. O tal homem escarafunchou e
martelou as pedras escavadas. Parecia um tanto abestalhado, olhava com uma
lente e até cheirava os torrões arrancados do barranco. Depois mostrou a
Genoíno algo que ele nunca notara antes: naquela rocha escura e malcheirosa
apareciam muitas marcas que realmente lembravam conchas e outros bichos das
praias, como as estrelas do mar. O dito professor falou que eram fósseis de
animais marinhos do Devoniano, com mais de quatrocentos milhões de anos de
idade!
Na sua
simplicidade, lá no seu íntimo, o operador de escavadeira desdenhou daquela presunçosa
conversa de professor. Um mar com praias por aquelas terras tão altas?
Quatrocentos milhões de anos atrás? Nem o dilúvio tinha ainda acontecido! E
este planeta em que vivemos já existia lá há tanto tempo? É muito tempo! E quem
pode querer saber o que acontecia por aqui, ou em qualquer canto deste mundo,
tanto tempo lá atrás?
Alguns
dias depois, Genoíno acordou aos berros, suando em bicas, no meio da noite. A
esposa e os filhos assustaram-se, o homem estava sentado na cama, os olhos
esbugalhados, meio apatetado. Não reagia aos chacoalhos para tentar tirá-lo
daquele transe.
Aos
poucos, ele foi se recuperando. Mas o medo ainda arregalava seus olhos, que iam
ganhando vida própria, dando a entender que o pavor que o dominara recuava, mas
não o abandonara de todo. Por fim conseguiu falar:
¾ Bobagem homem. Foi um pesadelo. Isso
não existe...
¾ Não era bobagem! Eles queriam dizer-me
algo. Para respeitar o cemitério...
¾ Cemitério? Vocês andaram escavando
algum cemitério nas construções dos prédios?
¾ Não, não! Ou melhor, que eu saiba não...
Em todo caso, amanhã vou ver isso.
Voltaram
a tentar dormir, debatendo-se com a inquietação e insônia.
No dia
seguinte, Genoíno procurou junto ao mestre de obras e engenheiros saber sobre o
local que andavam escavando. Algum dia tinha sido um cemitério? Riram-se dele,
todos foram peremptórios: por ali nunca houvera um cemitério, nem mesmo nos
tempos dos caingangues nem da colônia, pois o terreno não era apropriado para o
descanso dos mortos. Nenhum ser com algum juízo enterraria seus mortos em ladeiras como
aquelas.
Embora
convencido da verdade do que ouvira, Genoíno não se sentia tranquilizado. Algo
ainda fazia parecer-lhe que o pesadelo fora um aviso, realista demais.
Na
noite seguinte, outra vez acordou aos berros e suando. O mesmo pesadelo. Ao mal
conseguir falar, saíram-lhe embargadas as palavras:
¾ O cemitério tem quatrocentos milhões de
anos! Toda a cidade está construída sobre ele! Era onde iam morrer os seres
mais evoluídos que existiam na Terra naquela época...
Belo texto, Mário, gostei! Abraço.
ResponderExcluirMuito bom Mario. Valeu.
ResponderExcluirMuito bom!!
ResponderExcluirfico imaginando o geólogo professor... hehehe... muito legal.
ResponderExcluirQue legal Mario, muito bom mesmo.
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