domingo, 17 de janeiro de 2016

Aparição princesina

Publicado no Diário dos Campos em 24 de janeiro de 2016         

          Genoíno era um pacato operador de retroescavadeira que trabalhava na preparação das fundações dos grandes edifícios da cidade de Ponta Grossa (a Princesa dos Campos). Abria grandes buracos, estava acostumado a encontrar neles aquela rocha sedimentar lamosa e escura que cheirava enxofre.

            Um dia, durante uma das escavações, apareceu um homem com um martelo de pedreiro dizendo-se geólogo professor da universidade. O tal homem escarafunchou e martelou as pedras escavadas. Parecia um tanto abestalhado, olhava com uma lente e até cheirava os torrões arrancados do barranco. Depois mostrou a Genoíno algo que ele nunca notara antes: naquela rocha escura e malcheirosa apareciam muitas marcas que realmente lembravam conchas e outros bichos das praias, como as estrelas do mar. O dito professor falou que eram fósseis de animais marinhos do Devoniano, com mais de quatrocentos milhões de anos de idade!

      Na sua simplicidade, lá no seu íntimo, o operador de escavadeira desdenhou daquela presunçosa conversa de professor. Um mar com praias por aquelas terras tão altas? Quatrocentos milhões de anos atrás? Nem o dilúvio tinha ainda acontecido! E este planeta em que vivemos já existia lá há tanto tempo? É muito tempo! E quem pode querer saber o que acontecia por aqui, ou em qualquer canto deste mundo, tanto tempo lá atrás?

            Alguns dias depois, Genoíno acordou aos berros, suando em bicas, no meio da noite. A esposa e os filhos assustaram-se, o homem estava sentado na cama, os olhos esbugalhados, meio apatetado. Não reagia aos chacoalhos para tentar tirá-lo daquele transe.

       Aos poucos, ele foi se recuperando. Mas o medo ainda arregalava seus olhos, que iam ganhando vida própria, dando a entender que o pavor que o dominara recuava, mas não o abandonara de todo. Por fim conseguiu falar:

           ¾  Bobagem homem. Foi um pesadelo. Isso não existe...

      ¾  Não era bobagem! Eles queriam dizer-me algo. Para respeitar o cemitério...

          ¾  Cemitério? Vocês andaram escavando algum cemitério nas construções dos prédios?

           ¾  Não, não! Ou melhor, que eu saiba não... Em todo caso, amanhã vou ver isso.

            Voltaram a tentar dormir, debatendo-se com a inquietação e insônia.

            No dia seguinte, Genoíno procurou junto ao mestre de obras e engenheiros saber sobre o local que andavam escavando. Algum dia tinha sido um cemitério? Riram-se dele, todos foram peremptórios: por ali nunca houvera um cemitério, nem mesmo nos tempos dos caingangues nem da colônia, pois o terreno não era apropriado para o descanso dos mortos. Nenhum ser com algum juízo enterraria seus mortos em ladeiras como aquelas.

            Embora convencido da verdade do que ouvira, Genoíno não se sentia tranquilizado. Algo ainda fazia parecer-lhe que o pesadelo fora um aviso, realista demais.

            Na noite seguinte, outra vez acordou aos berros e suando. O mesmo pesadelo. Ao mal conseguir falar, saíram-lhe embargadas as palavras:


          ¾  O cemitério tem quatrocentos milhões de anos! Toda a cidade está construída sobre ele! Era onde iam morrer os seres mais evoluídos que existiam na Terra naquela época...

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