Desde
meus tempos de criança, quando morava próximo à Serra da Cantareira na zona
norte de São Paulo, aprendi a admirar e estimar o pinheiro araucária. Meu pai
levava-nos caminhar por um bosque de árvores situado próximo à casa de meus
avós, e durante o passeio falava-nos que aqueles pinheiros, que me pareciam gigantes
incomensuráveis, eram as mais genuínas árvores brasileiras, e que o país ainda haveria
de ser grande como elas. Hoje ainda existem por lá algumas árvores remanescentes,
num clube que leva por nome Pinheiral.
Durante
minha alfabetização, a instigante estória das gralhas a enterrar sementes e
expandir os pinheirais incentivou-me a aprender a ler e povoou-me a imaginação com
mitos que carrego ainda hoje. Depois ainda aprofundei minha admiração e apreço
por aquelas altivas e elegantes árvores, em andanças por altos ermos da
Mantiqueira e da Bocaina, durante levantamentos geológicos do Vale do Paraíba e
regiões vizinhas.
Mas foi
quando vim para o Paraná, já lá se vão mais de vinte anos, que em minhas
andanças pelas matas da Escarpa Devoniana a minha estima e admiração pelas
esbeltas árvores transformou-se também num profundo respeito. Não só pelo fato
dela ser a árvore símbolo do Paraná e por um ramo seu aparecer na bandeira do
estado. E não só pelo fato de que agora, já um maduro adulto, tenha voltado a
sentir-me uma criança diante de um incomensurável gigante quando fui conhecer
uma árvore já secular, poupada da sanha e da serra dos madeireiros lá pelos
anos 1960 e 1970 pelo fato de situar-se à beira de um abismo, se tivesse sido
abatida nunca poderia ter sido resgatada.
Com uma
professora de botânica minha colega aprendi que a presença da araucária
significa que uma mata está em seu clímax evolutivo, o ápice dos estágios sucessionais.
Isto é, aquela mata está em sua evolução ecológica máxima, o que só é alcançado
depois de muitas décadas de desenvolvimento sem degradações ou crises fortes.
Ou seja, se a araucária está presente numa mata, esta já passou por muitas fases
de evolução, quando primeiro se desenvolveram muitas outras espécies, vegetais
e animais, que constituem a complexa comunidade de vida necessária para que
haja condições de crescimento e sobrevivência da soberana dos bosques: a
araucária.
Aprendi
também que, se sua existência é exigente, por outro lado a araucária retribui
com muita generosidade o sub-bosque que a propiciou. Ela oferece o pinhão,
alimento de ratos, cutias, pacas, macacos, tuins, papagaios, maritacas, gralhas
e muitos outros bichos, que por sua vez vão alimentar lobos e felinos. Estes
últimos não são só predadores, mas são dispersores de sementes e reguladores
das populações, ou seja, têm também seu papel na complexa trama ecológica dos
bosques mais exuberantes, que vai desde o solo e seus microorganismos até os
maiores mamíferos e as imponentes araucárias.
E os
humanos então! Embora o pinhão não consiga conquistar meu paladar, tenho de
reconhecer, um dia, após uma extenuante caminhada, quando me deparei com um
caldeirão com pinhões cozidos, eles me pareceram a mais saborosa iguaria que
existe. Talvez só não mais saborosos que o pinhão sapecado no fogo da grimpa,
em torno do qual o povo simples do campo conta e reconta os deliciosos causos
da mata e da noite.
E não só
o pinhão é uma benesse que nos oferece a elegante árvore. Ela se deixa
desdobrar nas tábuas que foram a matéria prima das vivendas dos colonizadores, onde
nos fogões o nó de pinho aquecia, e aquece, no inverno gelado dos planaltos do
sul. Nós de pinho que além de aquecer, com seus anéis de crescimento nos revelam
a idade das árvores. Os livros dizem que elas podem alcançar até 350 anos, mas há
relatos de que no Estado de Santa Catarina, em Jaraguá do Sul, num museu há um
nó de pinho antigo com mais de mil anéis. As árvores teriam então, além da
altivez e da elegância, a sabedoria que o tempo traz. Além disso, os nós de
pinho preservam-se intactos por milhares de anos soterrados em sedimentos ao
longo dos rios, e podem então contar-nos também a história de climas passados
antes que por suas matas existissem seres humanos.
Que lição
a vida nos dá. A existência da imponente araucária depende de todo um complexo
sistema de vida e de fatores ambientais, mas a árvore soberana reina generosa
retribuindo a bênção de sua existência com a semente que vai realimentar a
terra, com a madeira e o nó de pinho.
Pudera
nós humanos aprendêssemos com a natureza como governar com generosidade e
sabedoria. Parece que entre nós como regra geral os líderes não têm muita noção
da importância que tem toda a tessitura social para a sobrevivência e a
prosperidade de toda a comunidade. Parece mais que agimos como supostas altivas
árvores que, ao alcançarem o dossel das matas, os níveis mais elevados da
escala social, desprezam e deixam minguar todo o sub-bosque que lhes deu vida,
sem aperceber-se que assim estão também condenando a si próprias.
Bonitas palavras professor. Sempre fui um contemplador das Araucárias, sinto uma espécie de paz perto delas. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirBelas palavras sobre uma ecologia perfeita, da qual o homem insiste não coexistir (inclusive no campo político-social).
ResponderExcluirÀs vezes penso que somos extra-terrenos! (assim mesmo, com hífen...até nisso involuímos)
Tomara todos respeitassem a araucária assim.
ResponderExcluirAcho que nossos soberanos não estão nem um pouco perto de serem Araucárias... mas quem sabe ainda serão!
ResponderExcluirPARABENS PELO BELO TEXTO. A NATUREZA É FONTE PERMANENTE DE APRENDIZADO E TER ELA COMO ALIADA É ESTAR DO LADO DE TODA BELEZA QUE NOS DEU O CRIADOR, NÃO IMPORTA COMO VOCE O CHAMA, ESSA CHAMA JAMAIS SE APAGA. ABS. CARLOS SA
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