domingo, 8 de abril de 2018

Diferenciação, autopoiesis e comunhão

Publicado no Jornal da Manhã em 10/04/2018 e no Diário dos Campos em 20/04/2018

O livro O tao da libertação (Mark Hathaway e Leonardo Boff com prefácio de Fritjof Capra, Editora Vozes, 2012), no capítulo sobre cosmogênese, trata dos conceitos de diferenciação, autopoiesis e comunhão. Estes três conceitos parecem fundamentais nos dias de hoje em que no Brasil e no mundo constata-se retrocesso de valores civilizatórios e democráticos. Andamos confundindo estadistas, que se dedicam à justiça e inclusão social e à soberania frente a tirânicos poderes hegemônicos globais, com oportunistas, que se dedicam a satisfazer inconfessáveis ambições e atavismos pessoais, os quais muitas vezes incluem o serviço à tirania internacional ou à insânia pessoal. Estamos confundindo esclarecimento e entendimento com manipulação e ilusão. Estamos confundindo valores civilizatórios, tais como tolerância e solidariedade, com posturas que desagregam a sociedade, como segregação, intolerância e violência.
Segundo os autores do livro, o cosmos já nos mostra, numa macroescala, os significados dos três conceitos: diferenciação é o momento do big-bang, quando a energia concentrada num ponto expande-se e começa a diferenciar-se nos inúmeros mundos que conhecemos hoje; autopoiesis é a evolução dos mundos em suas singularidades, tal como a Terra, que por bilhões de anos tem evoluído para ter hoje as extraordinárias condições para dar suporte à vida como a conhecemos; comunhão é o colapso previsto pelos astrofísicos no chamado big-crunch, quando todo o universo voltará a contrair-se. O cosmos também viveria ciclos, ou “respiraria”, como noite e dia, verão e inverno, glaciais e interglaciais, expiração e inspiração, os batimentos cardíacos... Mas os conceitos também são aplicáveis à natureza humana, a como evoluímos como pessoas e como espécie.
Diferenciação seria então a nossa individuação, quando passamos a ter personalidade própria, e deixamos de ser gado tangível, ou massa de manobra. A rebeldia talvez seja o primeiro sinal da diferenciação, é bom que cuidemos de entender que um jovem rebelde mostra sinais de que está evoluindo para além da mesmice das massas amorfas, é bom que saibamos orientá-lo para avançar para os conceitos seguintes. A diferenciação, ou individuação, é essencial para que comecemos a ser capazes de refletir sobre as trocas que vivenciamos entre nosso interior e o exterior. Passamos a ser mais críticos, passamos a pensar, passamos a discernir.
Autopoiesis ou autopoesia é o passo seguinte. É a construção da poesia em si mesmo. Poesia no sentido de sensibilidade, reconhecimento e valorização do belo e do sublime, evolução da sabedoria e força interior, fortalecimento e  aperfeiçoamento do caráter alcançado na diferenciação. É quando construímos nossa identidade, nossa subjetividade, nos organizamos interiormente através de valores e condutas harmoniosas e edificantes.
Comunhão começa quando, com a maturação da autopoiesis, conseguimos sair de nós mesmos e estabelecemos a empatia com o que nos cerca, os outros seres humanos que são o nosso próximo, os outros seres vivos do planeta, o planeta que é nosso lar e nos supre tudo que necessitamos para viver. O início da comunhão nos torna mais tolerantes, mais compreensivos, mais generosos, mais responsáveis, conosco mesmo, com a diversidade de seres humanos tão desiguais com quem compartilhamos este momento na existência do planeta, com animais e plantas, com as águas, os solos, as florestas, o ar que respiramos... Tão quimérico quanto imaginar o big-crunch da cosmogênese, seria imaginar onde nos levará o clímax da comunhão. Talvez o congraçamento das almas numa única alma iluminada, como é a crença de algumas religiões orientais.
Deveríamos refletir sobre os conceitos de diferenciação, autopoiesis e comunhão. Quanto já conseguimos nos diferenciar, isto é, quanto já deixamos de ser como gado tangido? Quem estaria hoje a nos tanger? Talvez a grande mídia, talvez as fake-news que incorporamos e replicamos sem um mínimo de discernimento? Talvez simplesmente um consenso construído sabe-se lá por qual soma de agentes que têm o propósito de nos manipular?
E como anda a nossa autopoieisis, que poderíamos traduzir como a nossa educação, a nossa cultura, o cultivo de valores civilizatórios e generosos que nos ampliem e melhorem nossa visão de mundo e de humanidade?
Parece que estes três conceitos estão contidos nas mensagens que nos foram trazidas pelos grandes missionários das religiões do mundo. Cristo teria dito “amar ao próximo como a ti mesmo, e a Deus sobre todas as coisas”. É possível que não estejamos sabendo amar nem a nós mesmos, quanto mais ao próximo. Quanto a Deus, visto que mesmo os teólogos divergem sobre quem seja, podemos admitir que ele esteja manifesto na Natureza, no Universo. Está manifesto também nesta maravilhosa singularidade que é o planeta Terra. Como temos cuidado dela?

Um comentário:

  1. Sem dúvida , a única forma de encontrar Deus é a atraves da natureza , que como sabemos procura o equilíbrio , o caminho do meio

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