Quais aprendizados devemos colher da crise de
caminhoneiros que parou o Brasil e transtornou a vida de todos?
É bom que tiremos lições dessa crise, sob pena de que ela
não seja só uma crise, mas signifique um colapso. Lembrando, crise é quando o
velho já está morto, e o novo ainda não nasceu. Colapso é quando o velho já
está morto, e o novo já não tem como nascer. Que saibamos reconhecer os erros e
dar vida ao novo, antes que seja tarde.
Quais erros temos cometido? São vários. Primeiro o erro
de depender exclusivamente do transporte rodoviário, uma escolha de meados do
século passado, que visou implantar a indústria automotiva neste nosso país
continente. Escolha que priorizou o interesse das multinacionais automotivas, ignorando
as peculiaridades do Brasil.
Depois o erro de depender de um sistema de produção de
alimentos e produtos básicos que demanda transporte por longas distâncias. A
produção e comercialização locais, diretas entre produtor e consumidor,
praticamente inexistem. Se o transporte rodoviário para, o país para. Que
tremenda vulnerabilidade logística!
Depois o erro de submeter o preço e a comercialização de
bens estratégicos, como o petróleo e seus derivados, ao interesse de
corporações transnacionais e seus acionistas, e não ao interesse da população e da soberania do
país. É o grosseiro erro de acreditar que o mercado é melhor do que o Estado na
gestão dos recursos estratégicos do país. Quem defende este erro ou é um
ambicioso beneficiário direto de seus equívocos, ou alguém que ainda não
refletiu sobre o conceito de “espírito animal” de John Maynard Keynes, um consagrado
economista do século XX respeitado nos meios acadêmicos mas propositalmente
esquecido pelos atuais adoradores do deus mercado. O “espírito animal” de
Keynes manifesta-se sobretudo nos empresários, que encontram no adágio da livre
concorrência o subterfúgio para a prática do salve-se quem puder, onde o mais
velhaco é o mais favorecido. Um Estado verdadeiramente democrático forte é
essencial para balancear o espírito animal e evitar as enormes desigualdades
sociais que temos visto.
Há ainda o erro de acreditar em políticas de coalizão, em
que interesses e princípios muito díspares conluiam-se oportunisticamente para
exercer o poder, afastando-se do interesse da população e da ideia de
construção de uma nação republicana e soberana. Mais hora menos hora as deserções
e traições acontecem, as crises políticas sobrevêm.
E há ainda erros crônicos, decorrentes dos erros
anteriores. Um sistema educacional fracassado, que não consegue formar cidadãos
críticos e lúcidos, capazes de refletir e de intervir construtivamente nos
destinos do país. Uma mídia viciada, que atende aos interesses de quem visa
perpetuar privilégios de uma classe dominante atrasada. Um povo ignaro e
manipulável, que facilmente é condicionado a abraçar causas retrógradas, como
apoiar candidatos autoritários e pedir pela intervenção militar. Quem clama
pela intervenção militar hoje ou é alguém mal intencionado, que enxerga nesse
retrocesso a oportunidade para benefícios próprios, ou é alguém que desconhece
o significado de uma intervenção militar, não viveu a ditadura nem conhece
história.
A crise deflagrada pela paralisação dos caminhoneiros
deveria fazer-nos refletir, e agir, sobre estes tantos erros que temos
cometido, e com certeza muitos outros a eles associados. Se soubermos deixar de
lado o nosso “espírito animal”, nossas ambições e paixões pessoais, e
colocarmos o bem comum acima de nossas inseguranças e ganâncias, poderemos
aproveitar a crise para corrigir os erros.
Que saibamos aproveitar a crise, antes que ela se torne
um colapso de consequências imprevisíveis. Que esta crise marque o crepúsculo
de uma época de sucessivos equívocos. Que o Brasil acorde de seu longo sono.
Parabéns pelo artigo caro Mario. Nele encontrei muito do que penso. Sempre fui muito critico desse modelo que os grandes capitalistas escolheram pra nós. Quanto ao povo ser despreparado e sem senso critico sempre lembro das palavras o grande educador Paulo Freire: SERIA UMA ATITUDE INGENUA ESPERAR QUE AS CLASSES DOMINANTES DESENVOLVESSEM UMA FORMA DE EDUCAÇÃO QUE PROPORCIONASSE ÀS CLASSES DOMINADAS PERCEBER AS INJUSTIÇAS SOCIAIS DE UMA FORMA CRÍTICA.
ResponderExcluirabs. Carlos SA
Tirar lições da crise e o primeiro passo do nosso aprendizado.
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