Publicado no Jornal da Manhã em 14/09/2023.
O “dia da sobrecarga da Terra” (em inglês o
“Earth Overshoot Day”, sigla EOD) é
aquele dia do ano em curso em que o consumo de recursos naturais pela
humanidade ultrapassa a capacidade do planeta de renová-los ao longo de todo aquele
ano. Numa comparação grosseira, é como se fosse o salário sendo gasto ao longo
do mês: se ele termina antes do fim do mês, e continuamos a gastar, vamos
acumular saldo devedor. E teremos de pagar o débito no futuro, com juros. Como
a Terra vai nos cobrar isso?
O cálculo do EOD é feito dividindo-se a
capacidade de reposição dos recursos naturais renováveis ─ chamada “biocapacidade” ─ pelo consumo efetivo
desses recursos pela humanidade ─ a chamada “pegada ecológica” ─ ao longo de um determinado ano, e
multiplicando-se o resultado por 365 dias. Numa expressão matemática seria: biocapacidade mundial/pegada ecológica mundialx365. Esse
cálculo tem sido feito por organizações internacionais não lucrativas, como a Global Footprint Network, a New Economics Foundation, a World Wildlife Fund e mais uma dezena de
entidades envolvidas com estudos sobre a sustentabilidade no planeta.
A biocapacidade é a possibilidade de reproduzir
recursos naturais consumidos pela população e a capacidade de reciclar/decompor
resíduos. É um indicador da capacidade de regeneração do planeta frente à ação
humana. É um conceito que envolve terras cultiváveis, pastagens, áreas de
pesca, florestas, áreas urbanizadas, áreas de reservatórios artificiais e o
tamanho da população que consome os recursos naturais e produz resíduos.
Visto que a biocapacidade tem sido cada
vez menor e a pegada ecológica cada vez maior, o resultado do cálculo tem dado
cada vez menos que 365. Neste ano de 2023, o resultado do cálculo deu 214. O
que corresponde ao dia 2 de agosto passado. Ou seja, já ultrapassamos neste ano
o consumo daquilo que o planeta Terra vai ser capaz de produzir ou renovar até
o final do ano. Na comparação com o salário para durar 30 dias, é como se nosso
saldo bancário estivesse já zerado no dia 18 do mês. A partir daí, entramos no
vermelho. Vamos ter de contrair empréstimos a serem pagos no futuro, com juros.
EOD, biocapacidade, pegada ecológica são
conceitos complicados, cuja validade pode gerar controvérsias. Mas, com certeza,
ainda que sejam passíveis de aperfeiçoamentos, nos revelam verdades
inquestionáveis. Os cálculos históricos indicam que até o final dos anos 1960 a
biocapacidade compensava a pegada ecológica. Mas já no ano de 1970, o EOD foi o
dia 30 de dezembro. Essa data crítica vem recuando desde então. No ano de 2000
foi no dia 22 de setembro. No ano de 2022, recuperação da pandemia, foi no dia 28
de julho. Em 2023, foi em 2 de agosto.
O constante recuo do EOD resulta do
crescente consumismo de uma sociedade regida pelo capitalismo, cujo propósito é
o lucro. O EOD é um dos alertas ambientais da insanidade dos rumos da
civilização atual. A ele somam-se outros alertas ambientais, como o aquecimento
global e os eventos climáticos extremos, e os alertas de degradação social,
traduzida nas crises econômicas, guerras, multidões de refugiados, instabilidade
política, totalitarismos, intolerâncias, miséria, criminalidade, concentração
de renda, retrocesso cultural, religioso, moral...
Ou a humanidade compreende a dimensão
ambiental, social e econômica do termo “sustentabilidade”, ou logo transformaremos
a Terra num planeta insustentável. Quer dizer, inabitável por humanos.
Perfeito e assustador. Pois mentalidade não serão mudadas a tempo de nós reconstruir. O consumismo e o imediatismo é viciante. Ninguém respeita mais nada, seja o que for.
ResponderExcluirSó o lucro e satisfação imediata e vazia. Que triste 😢
Projeção assustadora e alarmante para o futuro. Na verdade já estamos vivendo num caos que a cada ano se agrava. Esperar que a humanidade compreenda que precisa mudar hábitos e atitudes é malhar em ferro frio.
ResponderExcluirOs aletras estão sendo gritados mas o ser humano surdo e cego pela ambição e a ignorancia finge que não é com ele.
ResponderExcluirAcho que o ponto que ja não teremos mais volta esta muito proximo e não vejo sinceramente alguma vontade de mudança.
Vivemos o fim de um ciclo e isso so não enxerga quem não quer.
abs.
Carlos SA
É assustador ver em números aquilo que a Terra está gritando faz tempo. Devíamos ouvir com mais atenção os soluços do Planeta.
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