Publicado no Diário dos Campos em 17/01/2024 e no Jornal da Manhã em 18/01/2024.
Cultura é o cultivo: tal como a humanidade
depende de cultivar a terra para produzir o alimento do corpo, depende também
de cultivar a mente e o espírito, para alimentar o caráter. Assim cultivamos
ideias, identidades, valores autênticos, universais e duradouros. O lastro, o
húmus da cultura, é a História: tudo aquilo que, desde tempos ancestrais, tem
nos trazido ao que somos no presente. Os frutos da cultura são o porvir, a
emancipação, prosperidade e plenitude dos povos e de cada ser humano. Cultura é
educação para a civilização.
A censura é a discriminação de conteúdos
do fazer humano, taxando-os ou de aprovados ou reprovados para divulgação e
compartilhamento. Às vezes a censura baseia-se numa avaliação preliminar. Mas muitas
vezes ela é só fruto de manipulações, preconceitos, intolerâncias: conteúdos
são rotulados e condenados só por serem libertários, questionadores dos
onipresentes opressores e suas regras.
A censura foi muito importante durante a
ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985. Os jornais impressos traziam
espaços em branco ou preenchidos com receitas culinárias, compositores
consagrados tiveram que lançar suas canções sob pseudônimos, escritores e
articulistas tinham de publicar anonimamente. Tanto compositores quanto
escritores, bem como muitos jovens idealistas e inconformados, foram torturados
e executados, ou tiveram que refugiar-se no exílio. Suas ideias eram censuradas
e consideradas subversivas por falarem de liberdade, de independência e
soberania frente à tirania das nações imperialistas, que cultivam a cizânia e o
medo para subjugar suas colônias.
A censura também foi muito importante nos
regimes totalitários, como no nazismo e no fascismo. Mas até hoje ainda
promovem-se queimas de livros em nome da censura. Sob o pretexto de erradicar
ideias tidas como perturbadoras do frágil equilíbrio social, condenam-se as
ideias que questionam os métodos dos detentores do poder. Combinando-se censura
e desinformação, perpetua-se então a ignorância e a tirania.
Nestes tempos de polarização ideológica,
no Brasil e em todo o mundo, há quem creia que é necessário censurar o debate
político, pois ele amiúde descamba para intrigas viscerais, regidas pela emoção
e destempero, e não pela razão e equilíbrio. É preciso reconhecer que é verdade
que ainda temos muito que aprender para travarmos debates que sejam sóbrios e construtivos.
Mas evitar o debate não é o caminho para esse aprendizado. Talvez se justifique
essa censura em grupos familiares, para evitar desavenças. Mas em grupos que
têm justamente a intenção de incentivar a cultura e o esclarecimento, censurar
significa justamente o contrário do que seja cultura.
Por outro lado, deixar de censurar não
quer dizer total liberdade de compartilhamento de quaisquer conteúdos. Talvez a
dificuldade maior seja justamente estabelecer o limite entre os conteúdos que
contribuem para a cultura, e os que procuram conduzir-nos de volta à barbárie.
Precisaríamos, então, debater o conceito de barbárie!
Questão complicada! Mas precisamos
enfrentá-la, com sensatez e coragem. Escamoteá-la é alimentar a tirania e a
barbárie. Temos que aprender a fazer o bom debate. Para isso, a principal
qualidade de que carecemos é o discernimento.
Excelente reflexão!
ResponderExcluirParabéns ! Outro excelente texto sobre os labirintos desse país.
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