Publicado no Jornal da Manhã em 17/11/2020.
Dizem os cientistas políticos, o lulismo veio inaugurar a
consciência de classe no Brasil. Classe no sentido daqueles que ganham a vida
com o próprio trabalho, e que vivem constante risco de desemprego ou de
aviltamento dos salários e perda das condições de ter uma vida digna. A grande
maioria dos que pertencem a esta classe é de operários. O lulismo surgiu
justamente da organização sindical de operários metalúrgicos das grandes
fábricas paulistas.
Esta consciência de classe só prosperou graças à
possibilidade de organização sindical nas grandes fábricas e a um líder
carismático. Os sindicatos viraram partido político, o partido político
cresceu, conquistou prefeituras, estados, a presidência da república. A
consciência de classe e o lulismo espalharam-se pelo Brasil. O apoio popular,
acrescido da parte progressista das classes privilegiadas, cresceu. O Partido
dos Trabalhadores tornou-se o maior do país, Lula ensejou o lulismo. No governo,
o PT escolheu um rumo ainda a ser bem analisado e compreendido: procurou uma
reforma lenta, melhorou aos poucos as condições de vida dos mais pobres, mas
sem ameaçar os privilégios dos mais ricos. Diminuiu a miséria, mas não logrou
aprofundar o engajamento e a consciência política da classe trabalhadora.
Isto não impediu que o segregacionismo e o medo fizessem os
privilegiados atacarem ferozmente o PT e Lula: sequestradores de Abílio Diniz
com camisetas do partido enfiadas pela polícia, imputação de toda a corrupção
do país ao PT, massacre midiático, sabotagem do governo Dilma e golpe, prisão
de Lula, o insano que esfaqueou Bolsonaro também com camisa vermelha enfiada
pela polícia, são só algumas das tramoias para destruir o lulismo. Se
conseguiram de fato fazê-lo ou não, o tempo dirá. Lula e PT ainda têm muita força.
Sem o prever, as elites engendraram Bolsonaro e o
bolsonarismo. A criatura surpreendeu, e assusta, seus criadores. Claro, eles
não queriam bem um Bolsonaro, este se mostrou um oportunista sagaz, respaldado
pelas mesmas forças já não ocultas que antes viabilizaram o Brexit e Trump: a disseminação
de mentiras nas redes sociais. Bolsonaro, embora não fosse o preferido, ao
mesmo tempo que distrai a atenção da população com patetadas diárias, vai
avançando na pauta que vai destruindo o Estado, loteando o país e aprofundando o
fosso entre a multidão de empobrecidos e os privilegiados cada vez mais ricos. Um
fantoche, está cumprindo bem o papel que os privilegiados desejavam que um
governo pós-lulismo cumprisse.
O fenômeno Bolsonaro trouxe o bolsonarismo. Os apoiadores
e votantes do capitão reformado não estão só na direção das federações e
grandes corporações, na classe média retrógrada que enche as ruas das grandes
cidades com bizarras manifestações, na malta de lambe-botas que cerca o mito em
suas aparições públicas, nos comandos militares acostumados às ordens sem
questionamento, nos politiqueiros sanguessugas. O bolsonarismo fanático está
também na família de agricultores e de operários despossuídos, nos
desempregados e subempregados, nos profissionais do sucateado sistema de ensino,
nos militares de baixa patente, nos fiéis evangélicos, nas mulheres assediadas,
nas segregadas minorias étnicas, de gênero, etc.
Como explicar o bolsonarismo e sua virulenta e
indiscriminada disseminação? Decerto em parte é resultado da poderosa campanha
de demonização contra o PT e Lula, regiamente financiada pelos ricos que não
querem compartilhar seus privilégios. Decerto é pela falta de um entendimento
mais firme de consciência de classe e política da população explorada. Decerto
é pela ilusão de um outro caminho capaz de trazer prosperidade e justiça social
ao país. Mas só isso não explica tudo o que caracteriza o bolsonarismo, que
inclui no sua prática a discriminação, a violência, o negacionismo, a
boçalidade e a mentira vulgarizadas. Qual o algo mais que justificaria o
bolsonarismo?
Há analistas que explicam que a capilaridade do
bolsonarismo dentro das várias camadas econômicas e sociais está alicerçada em
fatores psicológicos, e não sociais. Os bolsonaristas na verdade identificam-se
com a truculência, o despotismo, a ignorância e a chulice do seu mito. São
indivíduos assombrados por seus fantasmas pessoais que não conseguem estender
sua compreensão para além de si mesmos, para a complicada dimensão dos
problemas sociais. A identidade do bolsonarismo não estaria, então, numa classe
social, mas num traço de personalidade.
Afinal, parece que voltamos ao velho dilema humano, que
Buda, Cristo, Maomé e tantos outros tentaram elucidar: entre o egocentrismo e a
solidariedade, só esta última salva.
Sem dúvida ,é muito difícil ver a ignorância nos guiando.
ResponderExcluirEstupendo esse texto , rasgou a carne e deixou a hipocrisia translúcida.
ResponderExcluirO grande problema do Lula e do PT foi ter certos aliados como o PMDB (quem escolheu Michel Temer pra vice da Dilma?) e outras forças politicas retrógradas que não gostaram nada, nada de ver a Dilma ser eleita pra um segundo mandato pelos votos do Nordeste. Dai pro golpe foi um pulo. Quanto ao outro citado só nos resta um grito: FORA BOLSONARO... abs.
ResponderExcluirFora Bolsonarooooooo
ResponderExcluirTexto incrível pai, como sempre.