quarta-feira, 5 de março de 2025

Cinema, Oscar, entretenimento, política


Talvez a palavra “cultura” também devesse estar presente no título acima. Ele poderia ser então “Cinema, Oscar, entretenimento, cultura, política”. Penso que cada um de nós ordenaria essas palavras de uma maneira diferente. Talvez o ideal fosse “Cultura, cinema, entretenimento, Oscar, política”? A cultura não expressa algo mais vasto, denso e duradouro do que aquilo que expressam as outras palavras?

Vamos começar pelo cinema. Nestes dias, no mundo e talvez especialmente no Brasil, o cinema e sua grande premiação, o Oscar, são as grandes vedetes. Sem dúvida, o cinema é uma expressão da cultura. Walter Salles, o diretor do magnífico “Ainda estou aqui”, que acaba de ganhar o Oscar de melhor filme internacional, em entrevista após a premiação declarou que o filme é um humano alerta de uma mulher guerreira que resistiu a um desumano crime da ditadura. Sua resistência evoca a necessidade da lembrança para enfrentar a tentativa de esquecimento que ameaça a democracia, no Brasil, nos EUA e no mundo. O diretor também afirma que a premiação do filme é uma vitória da cultura brasileira.

A premiação do filme traz implícita uma mensagem em favor da justiça e da democracia; é um sinal de dignas intenções do Oscar, concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, sediada em Los Angeles, EUA. Ainda bem que o meio artístico resiste demonstrando intenções dignas. Nem sempre as intenções da Academia são tão dignas. Devemos lembrar que a produção cinematográfica de Hollywood é uma das principais armas de propaganda internacional do modo de vida estadunidense, fundada no “destino manifesto”, que cria a ilusão do glamour, da justiça, da democracia e da defesa dos direitos humanos do país que é o principal agente das tiranias, injustiças e guerras de dominação pelo mundo afora.

Walter Salles também disse que a premiação de “Ainda estou aqui” quebra a barreira da política binária. Creio que ele esteja querendo dizer que a profundidade do humano está além da polarização ideológica. O drama e a resistência de uma família arbitrariamente subtraída da presença do estimado pai é uma mensagem mais comovente e eficaz contra a violência do totalitarismo e da intolerância.

O cinema não é só entretenimento, passatempo sem outros propósitos. Sim, cumpre também esse papel. Mas parece que, cada vez mais, por detrás da simples diversão há sempre uma mensagem sub-reptícia, sutil, aliciando-nos a consumir uma mercadoria, um serviço ou uma ideologia. Há quem veja no moreno e inescrupuloso Scar, o irmão do rei leão Mufasa, e nas hienas suas comparsas uma alegoria estigmatizante dos não brancos, os ameríndios, os afrodescendentes e latinos. Estes, tal como Scar e as hienas, seriam os sabotadores do suposto reino de bem-estar dos brancos.

Felizmente, em contrapartida há os filmes e documentários que têm a intenção justamente de nos alertar para as armadilhas do sistema, da mídia e do cinema. Entre estes, destaco “Não olhe para cima” (direção Adam McKay, de 2021), que é uma bem humorada crítica do negacionismo e da despudorada má-fé dos oportunistas de plantão, travestidos de benfeitores da humanidade. Este filme não levou nenhum Oscar.

E a política? Política está em tudo, está no cinema. Até quem diz que não discute política, está assumindo uma postura política. Das piores. Já foi dito: “pior do que aqueles que praticam o mal são os omissos”. Quem ainda não compreendeu isto precisa ler o poema “O analfabeto político”, de Bertolt Brecht.

2 comentários:

  1. Interessante esse texto. Não assisti nem o ainda estou aqui, mas com certeza vou assistir não olhe pra cima.

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  2. O livro, de um autor que já li outros títulos, ganhei no Natal, mostra um tempo que professor de História comprava livros proibidos no Chain, já com o pacote feito. Gostei do texto, Confrade, esse também é meu pensamento. Parabéns.

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