Talvez a palavra “cultura” também devesse estar presente no
título acima. Ele poderia ser então “Cinema, Oscar, entretenimento, cultura,
política”. Penso que cada um de nós ordenaria essas palavras de uma maneira diferente.
Talvez o ideal fosse “Cultura, cinema, entretenimento, Oscar, política”? A
cultura não expressa algo mais vasto, denso e duradouro do que aquilo que
expressam as outras palavras?
Vamos começar pelo cinema. Nestes dias, no mundo e talvez
especialmente no Brasil, o cinema e sua grande premiação, o Oscar, são as
grandes vedetes. Sem dúvida, o cinema é uma expressão da cultura. Walter
Salles, o diretor do magnífico “Ainda
estou aqui”, que acaba de ganhar o Oscar de melhor filme internacional, em
entrevista após a premiação declarou que o filme é um humano alerta de uma
mulher guerreira que resistiu a um desumano crime da ditadura. Sua resistência
evoca a necessidade da lembrança para enfrentar a tentativa de esquecimento que
ameaça a democracia, no Brasil, nos EUA e no mundo. O diretor também afirma que
a premiação do filme é uma vitória da cultura brasileira.
A premiação do filme traz implícita uma mensagem em favor
da justiça e da democracia; é um sinal de dignas intenções do Oscar, concedido
pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, sediada em Los Angeles,
EUA. Ainda bem que o meio artístico resiste demonstrando intenções dignas. Nem
sempre as intenções da Academia são tão dignas. Devemos lembrar que a produção
cinematográfica de Hollywood é uma das principais armas de propaganda
internacional do modo de vida estadunidense, fundada no “destino manifesto”, que
cria a ilusão do glamour, da justiça, da democracia e da defesa dos direitos
humanos do país que é o principal agente das tiranias, injustiças e guerras de
dominação pelo mundo afora.
Walter Salles também disse que a premiação de “Ainda estou aqui” quebra a barreira da
política binária. Creio que ele esteja querendo dizer que a profundidade do
humano está além da polarização ideológica. O drama e a resistência de uma
família arbitrariamente subtraída da presença do estimado pai é uma mensagem
mais comovente e eficaz contra a violência do totalitarismo e da intolerância.
O cinema não é só entretenimento, passatempo sem outros
propósitos. Sim, cumpre também esse papel. Mas parece que, cada vez mais, por
detrás da simples diversão há sempre uma mensagem sub-reptícia, sutil, aliciando-nos
a consumir uma mercadoria, um serviço ou uma ideologia. Há quem veja no moreno
e inescrupuloso Scar, o irmão do rei leão Mufasa, e nas hienas suas comparsas
uma alegoria estigmatizante dos não brancos, os ameríndios, os afrodescendentes e latinos. Estes,
tal como Scar e as hienas, seriam os sabotadores do suposto reino de bem-estar
dos brancos.
Felizmente, em contrapartida há os filmes e documentários
que têm a intenção justamente de nos alertar para as armadilhas do sistema, da
mídia e do cinema. Entre estes, destaco “Não
olhe para cima” (direção Adam McKay, de 2021), que é uma bem humorada
crítica do negacionismo e da despudorada má-fé dos oportunistas de plantão,
travestidos de benfeitores da humanidade. Este filme não levou nenhum Oscar.
E a política? Política está em tudo, está no cinema. Até
quem diz que não discute política, está assumindo uma postura política. Das
piores. Já foi dito: “pior do que aqueles
que praticam o mal são os omissos”. Quem ainda não compreendeu isto precisa
ler o poema “O analfabeto político”,
de Bertolt Brecht.
Interessante esse texto. Não assisti nem o ainda estou aqui, mas com certeza vou assistir não olhe pra cima.
ResponderExcluirO livro, de um autor que já li outros títulos, ganhei no Natal, mostra um tempo que professor de História comprava livros proibidos no Chain, já com o pacote feito. Gostei do texto, Confrade, esse também é meu pensamento. Parabéns.
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