Publicado no Jornal da Manhã em 19/03/2025.
Justino Sempadim é um cidadão comum. Paga as contas e os
tributos em dia, vota nas eleições em candidatos honestos e justos, que já
mostraram a que vieram, e não nos ilusionistas que prometem milagres. Entre as
contas que paga em dia, está a conta de água. Justino mora com esposa e filho,
três na residência. Segundo dados de agências internacionais, eles, que não são
esbanjadores, devem consumir cerca de 330 litros de água por dia. Ou seja,
9.900 litros por mês. Vamos arredondar para 10 m³ por mês.
Mas Justino, desatento e confidente, não notou que sempre a
conta da empresa de saneamento cobrava 30 m³ por mês. Ah, a construção era
antiga, o hidrômetro também. Estava lá desde antes da família se mudar para
aquela casa. E o relógio se situava para dentro do muro, era preciso que o
leitor tocasse a campainha para poder fazer a leitura mensal do consumo.
Até que, com a privatização e a terceirização dos serviços
da saneadora, o leitor, obrigado a cumprir uma forçada meta diária, passou a
fazer uma leitura a cada três meses. Nos outros dois, registrava “ausente”, e
estimava um consumo de 10 m³ para os meses em que a leitura não era realizada.
Quando voltava a fazer a leitura no velho hidrômetro, ele marcava um consumo de
30, e não 10 m³/mês. Então o valor da conta era acrescido das sobretaxas sobre
as crescentes faixas de consumo. Uma das contas ultrapassou os mil reais,
Justino foi reclamar no escritório da saneadora, lá no alto da avenida. O
funcionário pediu foto do hidrômetro, quando Justino a mostrou, de pronto o
funcionário reduziu o valor da conta para aquele usual. Justino espantou-se,
pareceu-lhe que o funcionário reconhecera sem questionamentos que algo estava
errado no valor.
Alertado por aquela casualidade, Justino chamou um técnico
especialista em localizar eventuais vazamentos. Ele vasculhou a casa, usou
geofone eletrônico, fez teste de estanqueidade. Não encontrou indícios de
perdas d’água, emitiu laudo atestando isso. Ao mesmo tempo, para evitar as
sobretaxas por consumo elevado, Justino formalizou pedido para transferir o
hidrômetro para a calçada em frente à casa. Um processo demorado, meses para instalar
novo hidrômetro e refazer a calçada, serviços cobrados do consumidor. A caixa
do novo relógio, de plástico, precária e frágil, restou cheia de terra. O fecho
ficou obstruído, não durou dois meses, entalou, quebrou.
Mas Justino notou uma diferença no consumo: agora, leitura
feita mensalmente sem a necessidade de tocar a campainha, sem o argumento do
“ausente”, o novo hidrômetro dizia que a família de três pessoas consumia 10 m³/mês,
e não os 30 m³ que dizia o velho e descalibrado relógio. Justino deduziu que
por anos pagara à saneadora 20 m³/mês que a família não consumira.
Mas logo veio o racionamento de água na cidade, o rodízio
de fornecimento entre os bairros. Supostamente culpa do calor do verão, e do
exagero de consumo dos moradores. Mas Justino lia no jornal que bilhões eram
pagos aos acionistas da agora privatizada saneadora. Não estariam então
faltando recursos para os obrigatórios investimentos para atualizações?
Quando o fornecimento era retomado após um dia de
racionamento, a família de Justino percebia as “explosões” nas torneiras e na
caixa d’água que era reabastecida: ar que vinha na tubulação que estivera
vazia. E então outra surpresa: com a água racionada, banhos de pingos, o
consumo medido no novo hidrômetro subiu de 10 para 16 m³/mês!
Estaria a saneadora agora também cobrando pelo ar que vem
pelos canos?
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