domingo, 9 de março de 2025

Ecologia profunda

 Publicado no Jornal da Manhã em 11/03/2025.

O tema da Igreja Católica para a Campanha da Fraternidade de 2025, iniciada na quarta-feira de cinzas, é “Fraternidade e Ecologia Integral”. Este tema remete ao conceito de “ecologia profunda”, cunhado pelo filósofo norueguês Arne Næs em 1972, e que se opõe à “ecologia rasa”. Mais recentemente, a ecologia profunda tem sido defendida, entre outros, por Fritjof Capra e, entre nós, Leonardo Boff; autores que têm nos incitado a refletir sobre os rumos atuais da civilização. Rumos que têm nos conduzido para a aguda crise não só ambiental, mas também socioeconômica, ética e religiosa que vivemos hoje.

A crise é profunda. Campanhas de plantio de árvores, redução de descartáveis, coleta seletiva ajudam, mas são rasas. É como o fumante inveterado, que fuma dois maços de cigarro por dia, e ao final do dia toma uma colher de xarope para tentar limpar os pulmões. Colocar em prática a ecologia profunda implica questionarmos o antropocêntrico sistema de vida que tem nos sido imposto por um bombardeio incessante de propaganda para que consumamos sempre mais. Para que continuemos a fazer crescer o lucro das grandes corporações e de seus donos e acionistas. Como diz Pepe Mujica, antes os trabalhadores lutavam para reduzir a carga de trabalho de 44 horas semanais; hoje os trabalhadores precarizados têm dois ou três empregos diferentes, e vivem o afã de trocar de carro, de comprar o segundo carro, ter uma moto, trocar o celular, o computador, comprar o eletrodoméstico supérfluo, trocar a roupa e o calçado que saíram da moda...

Somos hoje a “civilização do consumo”. E também das desigualdades, do abandono da fraternidade. Há muitos empobrecidos no mundo, que mal conseguem consumir o suficiente para ter assegurada a alimentação. São os explorados que sustentam o desarrazoado nível de consumo – e desperdício – daqueles que estão no alto da pirâmide social.

O afã do consumismo fere profundamente a Mãe Terra que nos supre. Ela já não dá conta de repor ou recuperar, com os processos naturais, aquilo que temos consumido e/ou degradado. Isso já acontece até com o ar e a água, os bens prioritários de que depende a vida. Mas vale também para o solo agricultável, o alimento saudável, o ambiente harmonioso e pacífico que nos inspira pertencimento e saúde emocional.

Pensar em ecologia profunda nos obriga repensar os princípios e valores que uma minoria de megaempresários ensandecidos pelo lucro e poder impõem a uma grande maioria atordoada pelo bombardeio de uma sofisticada tecnologia de propaganda e (des)informação. Ela nos incute desejos, convicções e atitudes antropocêntricas, ou, pior ainda, androcêntricas – aquelas fundadas no macho. Viver a ecologia profunda é voltar a comungar com a Mãe Terra, como o fazem os povos originários sobreviventes, que compreendem que o bem-estar do ser humano depende de enxergar que ele faz parte da natureza, e não é seu dono, um perverso dominador e explorador.

A civilização atual tem se comportado como o irreverente adolescente que, deslumbrado com o vislumbre da autonomia e da liberdade, desafia e mesmo agride e mata a Mãe Terra, quando ela procura mostrar-lhe que a sobrevivência e a evolução impõem a compreensão de que existem limites a serem respeitados perante a natureza.

2 comentários:

  1. É Mexer na residencia do capitalismo!

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  2. A esperança é que haja alguma intervenção, nem que tenhamos q engolir "agora" a intromissão da Inteligência Artificial.

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