Publicado no Jornal da Manhã em 02/02/2023.
Bárbaros, todos nós somos um pouco. Assim
como também somos um pouco divinos. Particularidade dos seres humanos, temos
ainda muitas reminiscências de nossos ancestrais selvagens. Mas já temos também
alguma percepção do sagrado que nos transcende. Somos criaturas intermediárias
entre o ignorante e o sábio! Alguns dizem que nosso lado instintivo selvagem é tânatos, catalizador de todo impulso
destrutivo. Herança da primordial agressividade essencial para a preservação da
espécie. Nosso lado amoroso e criativo é eros.
Ele vem se fortalecendo ao longo da evolução do Homo sapiens e da civilização.
Comportarmo-nos ora como egoístas
bestas-feras, ora como solidários seres amorosos, dependendo de muitas
variáveis que se combinam: nosso meio familiar, a vizinhança e amigos que
temos, nossa educação formal e informal, nossas experiências de vida, a cultura
do nosso povo, o momento civilizacional que estamos vivendo e até nosso humor
num dado momento, que depende de circunstâncias objetivas e subjetivas. A
resultante é que ora podemos ou ser uma besta-fera individualista e violenta, ora
ser alguém fraternal, compreensivo e conciliador.
Desde sempre a besta-fera que reside em
nós tem sido manipulada para promover disputas e guerras em favor de conquistadores.
A velha máxima “dividir para conquistar”. Mas nas últimas décadas esta
manipulação alcançou sofisticação extraordinária, com o advento das redes
sociais, dos algoritmos, dos bots e
das criminosas empresas digitais destinadas à desinformação e à doutrinação. Paradoxalmente,
o avanço tecnológico, num primeiro momento, propicia o desequilíbrio do frágil
arranjo de bem-estar social civilizatório, que temos construído com vagar e
dificuldade ao longo de milênios. Se, pouco a pouco, vamos superando a barbárie
e nos aproximando de uma sociedade mais humanizada, ao mesmo tempo
manifestam-se forças contrárias à emancipação dos seres humanos. É a reação de tânatos, inconformado com a prosperidade
de eros.
O mundo dá evidências de que estamos bem
num destes momentos de reação de tânatos:
segregacionismos e individualismos exacerbados, fundamentalismos, guerras,
fanatismos, extremismos. No Brasil não é diferente. Em 2018 elegeu-se um líder que
personifica tânatos: genocida,
segregacionista, misógino, armamentista, violento, negacionista, escatológico,
devastador ambiental... Mas que, contraditoriamente, tornou-se o mito de uma
parcela da população: tanto aqueles com ele identificados na reação de tânatos contra eros, quanto aqueles encabrestados pelas tecnologias da
desinformação. Com a agravante que estas manipuladas vítimas de tânatos foram ludibriadas e convencidas
que sua ira representa os ideais da pátria, da família, de Deus e da liberdade.
Os acontecimentos dos últimos meses, que
atingiram clímax no vandalismo deste domingo 8 de janeiro em Brasília, desmascaram tânatos, manifesto naqueles que não
souberam discernir. Antes tarde que nunca! Caída a máscara de cidadãos
patriotas, devotos e equânimes, que nunca foram de fato, agora estes adeptos de
tânatos têm que mostrar coragem para
vencer o ódio destrutivo que as cegou. E retomar eros, para retornarmos à marcha de prosperidade da civilização.
Excelente texto. Infelizmente, pessoas que, tempos atrás, anteriores às redes sociais, eram apenas desinformadas, ou seja, não acessavam qualquer tipo de informação, hoje recebem uma enxurrada de informações porcas, mentirosas, sujas. E com elas em mente, tomam atitudes funestas, prejudiciais a si mesmas e à coletividade.
ResponderExcluirO comentário anônimo anterior é meu. Esqueci de me identificar.
ResponderExcluiro problema é que eles são muitos!!! não são poucos, isto é, quem hoje diz que o minto não o representa, na próxima eleição vai votar novamente nele, para "salvar o país do comunismo", "para o país não virar uma Cuba ou Venezuela", "tirar os petralhas do poder", e por aí vai ...
ResponderExcluirO que vejo é uma abrupta identificação de gde parte da sociedade com o mau, talvez pela enxurrada de informações mentirosas ou mesmo pq sempre foram filhos de tªnatos que sem voz se reprimiam.
ResponderExcluirMuito boa esta abordagem .
Excelente reflexão Mário! Contudo, me pergunto se não cometemos erros ao comparar este ato do dia 8/01 a cultura dos vândalos. Tão distante da gente em termos civilizatórios, na percepção da alteridade.
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