sábado, 15 de abril de 2023

O plantio é voluntário, a colheita é obrigatória

   Publicado no Jornal da Manhã em 10/05/2023.

Essa é uma frase muito disseminada, não se conhece seu autor. Poderia até ser bíblica, mas não a encontro por lá. Por certo é tão conhecida por significar uma daquelas consagradas expressões da sabedoria popular. Ela é uma tradução do “livre arbítrio”: temos liberdade de ação, mas a reação é inevitável. Se semearmos o bem, colheremos o bem; se semearmos o mal, não escaparemos, colheremos o mal.

O Brasil está consternado com os insanos atos de violência nas escolas do país, e com a proliferação de mensagens nas mídias sociais incitando a tais atos de barbárie. Autoridades ainda estão atônitas tentando encontrar as maneiras de evitar tal desvario, perpetrado até por adolescentes contra crianças! O que está acontecendo com o país do carnaval, do samba, do futebol, da ginga, da alegria e da amizade? Que era reconhecido mundo afora como um país de paz e acolhedor anfitrião?

Pensadores como Leonardo Boff têm procurado dar a resposta: estamos colhendo os frutos da intolerância, ódio e violência plantados ao longo dos últimos tempos. Não só ao longo dos últimos quatro anos, quando foram agudizados. Mas ao longo das últimas décadas, desde quando os esforços para a justiça social, emancipação e soberania do país provocaram a raivosa reação daqueles que não querem mudar a história de exploração predatória do Brasil, colônia sempre servil aos impérios mundiais e pátria de elite entreguista que não superou o escravagismo.

Os semeadores do ódio e da intolerância têm sido a grande mídia ─ o “partido da elite” de Jessé Souza ─ e sua indesejada criatura, Bolsonaro e o bolsonarismo. Indesejada e inesperada criatura pela grande mídia tupiniquim que a pariu, mas não pelos que a manipulam desde o hegemônico império do Norte. Lá se escolheu a dedo o inqualificável presidente que semearia o ódio e a discórdia entre nós, perpetuando o Brasil no papel de submisso quintal produtor e exportador de matérias primas baratas. A velha e sempre eficaz máxima “dividir para governar”. Um legado maldito!

Boff, em seus últimos inspirados textos, tem reiterado que os seres humanos são movidos por dois impulsos antagônicos, ou complementares: Eros, o princípio da vida, e Tânatos, o princípio da morte. Podemos traduzir como sendo o cordeiro e o lobo que a sabedoria popular diz existirem dentro de cada um de nós. Cumpre reconhecer que os dois têm sua importância: se formos só cordeiros, decerto logo seremos devorados pelos muitos lobos que ainda encarnam na humanidade; se formos só lobos, estaremos sempre promovendo a guerra e a selvageria, com outros lobos e com os cordeiros. A conclusão é que temos de saber manter um possível equilíbrio entre o lobo e o cordeiro. Talvez eles tenham dificuldade de conviver, mas têm que aprender qual seu lugar, seu momento e sua forma de agir, e quando devem deixar que o outro predomine. Um aprendizado que demanda o exercício do discernimento, da compreensão, da têmpera e da amorosidade.

Há décadas, no Brasil, tem-se alimentado o lobo, semeado a intolerância, o ódio e a violência. Agora, mesmo apeado da presidência, o culto ao ódio prossegue fazendo seus prosélitos e suas vítimas.

Estamos colhendo o fruto amargo que tem sido plantado. Que a perversidade que ora extravasa seja a dura lição que nos faltava aprender.

3 comentários:

  1. Para quem quiser ver a colheita está aí.
    Acho tarde para conter ou reverter , creio que esse ódio estava reprimido e explodiu nas falas do irresponsável e cruel ex presidente .
    Não acho possível nos esquivar disso sem leis severas contra os pais relapsos e negligentes.

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  2. Bem e mal são laços, ingredientes inseridos à formatação da espécie humana: impossível desatar esse no. Assim como é impossível a compreensão de certos atitudes com as quais temos q conviver... Mas apesar do mal parecer prevalecer, ainda estamos aqui, com uma certa liberdade de poder usufruir de algum bem que porventura nos atraia...

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  3. Eu abominava temas distópicos como zumbis, nos filmes. Agora os vejo como perfeitas materializações dos descaminhos que a humanidade insiste em escolher. Não há imagem mais ilustrativa do surgimento de um clã de imbecis controlados do que os zumbis. Já estamos vivendo na Zumbilândia.

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