quinta-feira, 6 de abril de 2023

Malditas joias sauditas

 Publicado no Jornal da Manhã em 06/04/2023.

Que ironia! A repercussão do caso das joias que Bolsonaro recebeu do governo da Arábia Saudita lembra o caso de Al Capone nos EUA, nos idos de 1920-30. Ele foi um notório personagem do mundo do crime, acusado de assassinatos, fraude, extorsão, corrupção e agiotagem. Era um líder gângster sem escrúpulos, violento e frio. Controlava ilegalmente casas de jogo, bordéis, bancas de apostas, clubes noturnos, destilarias e cervejarias. Chegou a faturar 100 milhões de dólares por ano, e foi considerado figura de importância, no nível de Albert Einstein e Mahatma Gandhi.

Com tanto dinheiro, poder e celebridade, a justiça não conseguia provar seus crimes e aprisioná-lo. Foi preciso que ele acabasse condenado pelo crime de sonegação fiscal, muito menos importante que os demais delitos que cometia. O gângster não conseguiu comprar, intimidar, chantagear ou exterminar os seres humanos responsáveis pelo sistema pecuniário público que o enquadrou. Acabou preso, mas só cumpriu oito anos de prisão. A pena foi reduzida por questões de saúde.

E o capitão Bolsonaro? Que chegou a ser preso e considerado culpado por insubordinação e atos de terrorismo em tribunal militar, embora depois tenha sido salvo em instância superior por dúvidas nas provas? A personalidade de Bolsonaro parece não diferir muito daquela de Al Capone. Da mesma forma que o gângster estadunidense, o capitão brasileiro tem a capacidade de angariar comparsas e poder, frequentemente graças à força de malignas alianças e da intimidação com que confronta opositores.

Não são poucos os crimes imputados a Bolsonaro em investigação: responsabilidade nos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília; mentiras sobre o processo eleitoral e o TSE; responsabilidade nas blitzes da PRF no segundo turno das eleições de 2022; responsabilidade no genocídio indígena na terra yanomami; conivência com garimpo ilegal em terras indígenas; crime contra a humanidade na gestão da pandemia de Covid-19; responsabilidade por aumento no desmatamento da Amazônia; incentivo à elevação do número de incêndios florestais e emissão de CO2; vazamento ilegal de dados de inquérito sigiloso da PF acerca de hackeamento no TSE; falsa associação entre a vacina contra Covid e riscos à saúde; vinculação a associações disseminadoras de mentiras sobre temas diversos; emprego irregular de verbas orçamentárias; prevaricação; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares...

E estas são só as acusações que aparecem nas principais denúncias formais, resultantes da CPI da pandemia e de inquéritos no STF, na Procuradoria Geral da República e no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Agora, a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor do Senado Federal abriu inquérito para apurar possível relação do “presente” das joias sauditas com a venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia, a um fundo de investimentos de Abu Dabi. Pela metade do preço! Suspeita-se que as joias não sejam um presente, mas um tipo de suborno para viabilizar uma negociação lesiva ao interesse do Brasil e dos brasileiros. O “presente” pode virar uma maldição para o ex-presidente.

Veremos se hoje, em nosso país, a justiça difere daquela do tempo de Al Capone.

5 comentários:

  1. No Brasil, a justiça é um jogo (alias não so aqui). Interesses e muita grana em advogados que sabem como ganhar tempo e levar o processo por anos a fio. E muita gente com favores e rabo preso atuam nesse teatro nesses nossos tempos bicudos.
    Mas não custa a gente acreditar. É o que nos resta.
    abs.
    Carlos SA

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  2. Interessante e válida comparação, Mário.
    Aqui como lá, uns roubam e espoliam o país e seu povo no atacado, já outros o fazem no varejo que, por sua vez, têm o consentimento e a conivência dos atacadistas.

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  3. Não creio que Al Capone conseguisse atrair multidões em sua adoração, com aqui conseguiu o Bozo. Temo que nós, brasileiros, tenhamos grau de doutorado em como construir habitat para nossas cobras, e até alimentá-las com nossos próprios filhotes. Deprimente essa situação.

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  4. Clara e didática análise do escândalo do momento.
    Parabéns, Mário.

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  5. Parabéns e meus agradecimentos por essa síntese correta e verdadeira. Foste direto ao fulcro do ser e do fazer do/deste mafioso e sua corriola.Algumas pessoas o chamam de louco. São ingênuas fora de idade e de tempo. Problemas da nossa EDUCAÇÃO. Loucos são aqueles que votaram no salafrário e lhe deram condições de poder.

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