Tentando traduzir de forma simples, “endogenia” é
tudo aquilo produzido dentro de um sistema fechado, seja ele uma célula, um
organismo ou um clã. O endógeno é fruto de uma reprodução sem a participação de
contribuição externa. Há então uma tendência de reprodução ad aeternum dos traços dos ancestrais.
Uma consequência da endogenia é o agravamento de caracteres
não evolutivos, que não conseguem adaptar-se às inevitáveis transformações do
ambiente natural e social. Entre os humanos, um atributo físico bem visível
decorrente da endogenia é a baixa estatura de populações que não se misturam
com outras, e sempre têm filhos baixos. Porém este é um exemplo perceptível mas
grosseiro; a endogenia é responsável por consequências menos visíveis e mais
graves, como a tendência a desenvolver moléstias mortais e deficiências
neurológicas congênitas. Ela pode conduzir à extinção da estirpe.
Há muitos tipos de endogenia. Fala-se em endogenia
genética, acadêmica ou científica, cultural, social... A indesejável
“imobilidade” ─ ou o “provincianismo” ─ decorrente da endogenia tem levado a
reparadores esforços de interação, principalmente em áreas cognitivas. Um
reflexo disso é a valorização da interdisciplinaridade nos meios científicos: o
enfrentamento dos grandes desafios atuais da humanidade, nas questões
ambientais, de saúde e segurança pública, geopolíticas, econômicas, sociais,
urbanísticas, alimentares, demográficas, energéticas... demandam a soma de
saberes de diversas áreas de conhecimento. Mesmo da antes subestimada etnociência
dos povos originários, com os quais temos muito a aprender. Somos ainda fruto
de uma educação disciplinar, compartimentada em “blocos” de conhecimento, que
dificultam enxergarmos os desafios integradamente, holisticamente. Ainda temos
forte propensão ao individualismo e ao narcisismo.
“Nanismo” é uma palavra que tem a mesma raiz de
“nanico”, de nánnos = muito pequeno. A
endogenia, cristalizando certos atributos pela falta de intercâmbio, conduz à
pequenez. Seja da estatura, dos conhecimentos, das ideias, dos gostos, das
amizades, das fantasias, dos sonhos... Pode conduzir à pequenez de todo nosso
ser: o físico, o orgânico, o intelectual, o cognitivo, o emocional, o estético,
o afetivo, o espiritual...
Há quem tema que o intercâmbio e a
interdisciplinaridade possam levar à perda da identidade e da acuidade. Talvez,
neste caso, a palavra melhor fosse então banalização ─ promiscuidade ─ e não
intercâmbio. É a delicada questão de saber preservar, ao mesmo tempo, as raízes
e as asas: as raízes que nos garantem a identidade e a comunhão com os
ancestrais e a terra mátria; as asas que nos revelam a grandeza e riqueza do
diverso e a real dimensão do nosso ser frente aos demais.
Nos intercâmbios, há sempre que cuidar de discernir
entre o que acrescenta, preservando a identidade, e o que é tentativa, muitas
vezes subliminar, de impor caracteres hegemônicos: a ditadura dos modismos,
exotismos, extravagâncias e modernismos. É a forte pressão para anular nossa
singularidade, uniformizando-nos num rebanho de ávidos consumidores de produtos,
ideologias e valores que nos são estranhos.
Enfim, há que se abrir, coexistir, interagir,
permutar. Com amorosidade e criatividade. Sabendo reconhecer e preservar a
própria identidade e a identidade do outro.
Excelente!!!
ResponderExcluirAtualmente somos submetidos a uma espécie de “lavagem cerebral” coletiva, na qual somos conduzidos a escolher o “lado certo”: homo ou hétero, direita ou esquerda, branco ou preto, pobre ou rico, etc. Isso nos conduz ao isolamento de grupos, cada um cada vez mais débil social e intelectualmente. E está ficando cada vez mais difícil fugir dessa armadilha.
ResponderExcluirPensei em muitas coisas enquanto lia, absorvia e encantava-me com tamanha sensatez e lucidez. A palavra que define o texto e seu autor é admiração.
ResponderExcluirParabéns, Mário. Excelente reflexão, longe de ser nanica.
ResponderExcluirO nível de interação a que este texto conduz é impressionante. Digo isso, porque aparentemente seria um assunto que não prenderia minha atenção, no entanto, em um desabrochar de botão em rosa, ele foi se expondo graciosamente e me inebriando com seu perfume.
ResponderExcluirPassei para o Silvestre trabalhar em sala de aula, no ensino médio.
Seus textos são sempre valorosas fontes de informação. Obrigada!
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