sábado, 9 de março de 2024

Capital eleitoral e capital civilizacional

 Publicado no Jornal da Manhã em 12/03/2024.

Outro dia escutei a expressão “capital eleitoral”, em meio às açodadas conversas que marcam o recrudescimento das atenções com as eleições que acontecem neste ano. A expressão foi utilizada com o sentido de capacidade de um candidato traduzir-se em votos na eleição, seja pela notoriedade ou força e pluralidade dos apoios.

O uso da expressão desencadeou-me uma cisma: o capital eleitoral não seria um inibidor de um outro capital, vamos chamá-lo de “capital civilizacional”? A capacidade de um nome angariar votos numa eleição merece reflexão. O político notório, já conhecido de várias outras eleições e mandatos, é o melhor? Não seria preferível dar voz e liderança a novos políticos? Não é sabido que a política, quando carreira, tende a viciar, desviando o foco de ideais sociais legítimos no início, para, com o tempo, reles disputas eleitorais? Não são muitos os pensadores que defendem que não deveria ser possível a reeleição, justamente para que haja renovação? Não é sabido que a “notoriedade” amiúde é comprada com conluiadas manipulações midiáticas e apoios financeiros criminosos?

Ademais, a precária democracia representativa que vivemos hoje, responsável por muitos dos vícios dos políticos, privilegia os já ocupantes de cargos. Verbas, recursos, benefícios favorecem os que exercem mandatos. E as leis que mantêm esses privilégios são “eleitas” em escolhas muitas vezes secretas, nos parlamentos. Como é possível, numa democracia representativa, os supostos representantes do povo votarem secreto? Então deixou de ser representativa, passou a ser corporativista, fisiológica, clientelista.

E o que seria o tal “capital civilizacional”? Em primeiro lugar, seria o fazer boa política sempre, e não só às vésperas de eleições. Esta última é a política eleitoreira, que pode perpetuar os políticos que não têm ideia do que seja o espírito público. A política civilizatória atuaria continuamente, formando consciência histórica, social, cultural, ambiental, econômica... Ou seja, uma verdadeira educação para a civilização, visando reduzir os conflitos resultantes das injustiças e da escandalosa concentração da renda das riquezas produzidas pelo trabalho. Talvez o capital civilizacional não aparecesse como resultado eleitoral nas próximas eleições; mas alimentaria uma consciência política mais duradoura e consistente, mais refratária às manipulações, ilusões e logros midiáticos destinados a eleger lobos para cuidar do rebanho de cordeiros.

Acreditar e abraçar o investimento no capital civilizacional é um desafio considerável. O ser humano não costuma ter paciência de aguardar resultados a longo prazo. Queremos plantar a árvore e colher logo seus frutos. Falta-nos paciência, humildade, e, sobretudo, solidariedade e verdadeiro espírito público. A regra geral entre os seres humanos, e os políticos atuais, é a meta eleitoral, não a meta social, a meta civilizatória. Não costumamos plantar para que toda a sociedade colha os frutos. Plantamos para que nós mesmos, e nossos apaniguados, sejamos os beneficiados.

Enquanto priorizarmos o capital eleitoral em detrimento do capital civilizacional, a sociedade que vivemos continuará vítima das distorções e conflitos que ela mesma gera: ignorância, desmandos, tiranias, criminalidade, guerras, crises ambientais, sanitárias...

6 comentários:

  1. O conceito, se chegar à porta da caverna do "Ali Baba" de plantão, a pedra não mexe.

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  2. Eleições que são bancadas com dinheiro público (mais de bilhões de reais), dezenas de partidos políticos para repartir essa dinheirama toda, delegados, militares e religião evangélicos sendo eleitos por uma direita frenética... é, esse país não tem futuro político decente algum... nem a médio prazo, nem a longo prazo... lamentável...

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  3. Além do perfil do político, entendo que é preciso atenção ao programa de governo, em alguns casos o político é eleito sem nenhum programa, compromisso, de governo.
    Qt ao perfil do candidato e o seu capital eleitoral, ligado muitas vezes ao poder econômico, infelizmente, revela o perfil de uma sociedade egoísta, que usa a política como firma de fazer lobs, tirar vantagem própria e se blindar da justiça.
    Clênio - Ponta Grossa.




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  4. Se o eleitor ao menos decidisse votar por sua própria cabeça, e assim buscasse um candidato que, em sua análise, fosse fazer o melhor para quem mais precisa da administração pública, já seria um baita de um avanço. Infelizmente esse voto "consciente" é extremamente minoritário frente ao voto "maria vai com as outras", ao voto recomendado pelo patrão, ao voto recomendado pelo pastor, ao voto recomendado por demagogo qualquer... Enfim, para dar um pequeno passo talvez a melhor recomendação nesse momento seja "Não se deixe enganar, vote com sua própria consciência".

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  5. Sem uma mudança drástica e efetiva da educação fundamental ao ensino médio, nunca teremos cidadãos conscientes e dignos. Do jeito que estamos não há perspectiva alguns de melhoras política , continuaremos na lei de Gerson ou no toma lá dá cá.

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  6. As palavras aqui do Mário Sérgio remeteram ao José de Souza Martins, em "O Poder do Atraso", uma triste realidade da política brasileira que vence o passar dos tempos. "O toma lá da cá".

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