Publicado no Jornal da Manhã em 12/03/2024.
Outro dia escutei a expressão “capital eleitoral”, em meio
às açodadas conversas que marcam o recrudescimento das atenções com as eleições
que acontecem neste ano. A expressão foi utilizada com o sentido de capacidade
de um candidato traduzir-se em votos na eleição, seja pela notoriedade ou força
e pluralidade dos apoios.
O uso da expressão desencadeou-me uma cisma: o capital
eleitoral não seria um inibidor de um outro capital, vamos chamá-lo de “capital
civilizacional”? A capacidade de um nome angariar votos numa eleição merece
reflexão. O político notório, já conhecido de várias outras eleições e
mandatos, é o melhor? Não seria preferível dar voz e liderança a novos
políticos? Não é sabido que a política, quando carreira, tende a viciar,
desviando o foco de ideais sociais legítimos no início, para, com o tempo,
reles disputas eleitorais? Não são muitos os pensadores que defendem que não deveria
ser possível a reeleição, justamente para que haja renovação? Não é sabido que
a “notoriedade” amiúde é comprada com conluiadas manipulações midiáticas e apoios
financeiros criminosos?
Ademais, a precária democracia representativa que vivemos
hoje, responsável por muitos dos vícios dos políticos, privilegia os já
ocupantes de cargos. Verbas, recursos, benefícios favorecem os que exercem
mandatos. E as leis que mantêm esses privilégios são “eleitas” em escolhas
muitas vezes secretas, nos parlamentos. Como é possível, numa democracia
representativa, os supostos representantes do povo votarem secreto? Então
deixou de ser representativa, passou a ser corporativista, fisiológica, clientelista.
E o que seria o tal “capital civilizacional”? Em primeiro
lugar, seria o fazer boa política sempre, e não só às vésperas de eleições.
Esta última é a política eleitoreira, que pode perpetuar os políticos que não
têm ideia do que seja o espírito público. A política civilizatória atuaria
continuamente, formando consciência histórica, social, cultural, ambiental,
econômica... Ou seja, uma verdadeira educação para a civilização, visando reduzir
os conflitos resultantes das injustiças e da escandalosa concentração da renda
das riquezas produzidas pelo trabalho. Talvez o capital civilizacional não
aparecesse como resultado eleitoral nas próximas eleições; mas alimentaria uma
consciência política mais duradoura e consistente, mais refratária às
manipulações, ilusões e logros midiáticos destinados a eleger lobos para cuidar
do rebanho de cordeiros.
Acreditar e abraçar o investimento no capital
civilizacional é um desafio considerável. O ser humano não costuma ter
paciência de aguardar resultados a longo prazo. Queremos plantar a árvore e
colher logo seus frutos. Falta-nos paciência, humildade, e, sobretudo,
solidariedade e verdadeiro espírito público. A regra geral entre os seres
humanos, e os políticos atuais, é a meta eleitoral, não a meta social, a meta
civilizatória. Não costumamos plantar para que toda a sociedade colha os
frutos. Plantamos para que nós mesmos, e nossos apaniguados, sejamos os
beneficiados.
Enquanto priorizarmos o capital eleitoral em detrimento do
capital civilizacional, a sociedade que vivemos continuará vítima das
distorções e conflitos que ela mesma gera: ignorância, desmandos, tiranias, criminalidade,
guerras, crises ambientais, sanitárias...
O conceito, se chegar à porta da caverna do "Ali Baba" de plantão, a pedra não mexe.
ResponderExcluirEleições que são bancadas com dinheiro público (mais de bilhões de reais), dezenas de partidos políticos para repartir essa dinheirama toda, delegados, militares e religião evangélicos sendo eleitos por uma direita frenética... é, esse país não tem futuro político decente algum... nem a médio prazo, nem a longo prazo... lamentável...
ResponderExcluirAlém do perfil do político, entendo que é preciso atenção ao programa de governo, em alguns casos o político é eleito sem nenhum programa, compromisso, de governo.
ResponderExcluirQt ao perfil do candidato e o seu capital eleitoral, ligado muitas vezes ao poder econômico, infelizmente, revela o perfil de uma sociedade egoísta, que usa a política como firma de fazer lobs, tirar vantagem própria e se blindar da justiça.
Clênio - Ponta Grossa.
Se o eleitor ao menos decidisse votar por sua própria cabeça, e assim buscasse um candidato que, em sua análise, fosse fazer o melhor para quem mais precisa da administração pública, já seria um baita de um avanço. Infelizmente esse voto "consciente" é extremamente minoritário frente ao voto "maria vai com as outras", ao voto recomendado pelo patrão, ao voto recomendado pelo pastor, ao voto recomendado por demagogo qualquer... Enfim, para dar um pequeno passo talvez a melhor recomendação nesse momento seja "Não se deixe enganar, vote com sua própria consciência".
ResponderExcluirSem uma mudança drástica e efetiva da educação fundamental ao ensino médio, nunca teremos cidadãos conscientes e dignos. Do jeito que estamos não há perspectiva alguns de melhoras política , continuaremos na lei de Gerson ou no toma lá dá cá.
ResponderExcluirAs palavras aqui do Mário Sérgio remeteram ao José de Souza Martins, em "O Poder do Atraso", uma triste realidade da política brasileira que vence o passar dos tempos. "O toma lá da cá".
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