No Brasil o coronavírus está fazendo das suas. Aqui a
crise na saúde soma-se à crise política, econômica, civilizatória. A começar da
enxurrada de besteirol nas redes sociais. Como nosso povo é pobre, de espírito,
de linguagem, de discernimento! Instalou-se mais uma polarização entre dois
extremos. Nunca ficou tão claro que a polarização é a medíocre realidade de
quem não quer ou não é capaz de ponderar. Assume posições extremas como dogmas,
como o beato de fé cega submete-se sem refletir.
De um lado temos a histeria do povo que lota
supermercados, as filas de vacinas contra a gripe, o entulho das redes sociais.
A pandemia parece ser o fim do mundo. Uma contradição típica do pânico insano.
Estão apavorados, ao invés de isolarem-se juntam-se à multidão ensandecida para
depois, contaminados, poderem talvez isolar-se.
De outro lado o brado de desvario do dinheirismo levado
ao extremo da canalhice: ─ É uma gripezinha. Não podemos nos assustar com ela.
Não podemos parar de trabalhar. Ou o mercado não vai resistir. A economia não
vai resistir. ─ Há uma verdade clara e cruel nestas afirmações: o vírus vai
provocar uma crise econômica sem precedentes, talvez com consequências mais
agudas que o próprio vírus. E uma verdade oculta: o mercado é mais importante
que a vida das pessoas, principalmente aquelas vítimas potenciais do vírus, os
idosos, os vulneráveis, os miseráveis. É o dinheiro mais importante que a vida.
Mas esta pandemia tem seus caprichos. Ameaça também o
vovô, a vovó, o tiozinho excêntrico e o priminho franzino das famílias da elite
econômica. O medo alastra-se por todas as classes sociais, ainda que tenha suas
preferências. Comparado com outros flagelos, como a fome, a insegurança, o
desemprego, a discriminação, o vírus até pode ser considerado imparcial.
Veremos se também vai ser imparcial o tratamento dos casos agudos nos hospitais
públicos e privados.
Certo que a crise econômica desencadeada pelo vírus vai
trazer o risco de mais sacrifícios, talvez mais mortes, vítimas da miséria e da
violência. Mas uma consequência benéfica do vírus que muitos já têm ressaltado
é que talvez a crise econômica nos obrigue a rearranjos mais solidários e mais
lúcidos na ordem e na consciência mundial. Talvez a humanidade evolua desta
civilização da desigualdade, da iniquidade, da competitividade, da locupletação
de uns poucos à custa da miséria de muitos, do consumo desvairado ao preço do
desequilíbrio do planeta.
E quem brada em defesa do mercado e da economia parece
considerar que as mortes sejam um dano colateral inevitável, um pequeno
sacrifício em nome de tudo continuar como tem sido, de uma ideia de progresso
baseada em estatísticas e não no bem estar social.
No fundo, é o brado de quem não quer ser apeado de um
governo que já se mostrava desorientado antes da crise, e agora, com o vírus,
revela seu completo desvario.
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