quarta-feira, 31 de março de 2021

Berço esplêndido

 

Era um país imenso, uma grande promessa, com riquezas não encontradas alhures com tanta fartura: água abundante, solos agricultáveis, minérios, biomas exuberantes ricos em biodiversidade, mares piscosos, clima amigável e uma insolação que, transformada em energia, o faria campeão mundial de energia limpa. Seu povo, apesar de heterogêneo, falava a mesma língua, etnias e culturas tinham-se mesclado numa identidade mestiça, diferenças religiosas e ideológicas conseguiam conviver sem conflitos radicais. Embora latentes.

Talvez pela prolongada escravidão, ou pelo contumaz extermínio dos nativos, ou pelo secular papel de colônia explorada, não conseguia emancipar-se e firmar-se como nação. Seu povo padecia da frouxidão de propósito. Até que, casualmente, dois eventos concomitantes fizeram o então gigante adormecido aparecer aos olhos do mundo: foi eleito um governo engajado em promover a emancipação do povo simples e da nação, e foram descobertas reservas petrolíferas colossais. O país continente, ousando sonhar tornar-se nação, com reservas de petróleo e um governo determinado à liberdade, virou uma afronta para uma implacável divisão mundial de riqueza e poder. Um indesejado intruso. Era premente detê-lo.

Uma guerra? Outras já se travavam contra outros rebeldes pelo mundo, mais uma seria custosa e desgastante. Como, então, deter o irreverente pretendente a protagonista mundial? As inteligências dos impérios ameaçados puseram-se a arquitetar o plano que desencadearia uma guerra interna no pretensioso insurgente. Usaram-se suas conhecidas fraquezas: o débil sentimento pátrio, a educação incipiente, os latentes preconceitos, a fragilidade das instituições, a cupidez dos homens públicos.

Massacrantes campanhas midiáticas transformaram dissimulados ressentimentos em ódio, extravasado em paixões político-ideológicas, religiosas, étnicas, culturais, regionais, sócio-econômicas e até na rivalidade dos times de futebol preferidos. O povo que acreditava ser alegre e amistoso descobriu seu traço mais rancoroso e odiento.

Estava preparado o caminho para a guerra sem exércitos. Insuflou-se o logro que a corrupção era a pior do mundo. Foi o ingrediente definitivo para destruir o governo que queria emancipar o país e para dividir e enraivecer o povo, tornado irracional pela ignorância e pelo açulado ódio. Sofisticadíssima tecnologia internacional, usando a mídia para manipulação de massa, a cuidadosa escolha de um títere com uma surpreendente sociopatia e capacidade de aglutinar e mobilizar assemelhados, um atentado forjado no momento mais agudo de uma eleição, levaram ao poder maior, do agora desperto e odiento gigante, um demente. O cavalo de troia idealizado no exterior para sabotar e sepultar as pretensões do gigante de tornar-se o protagonista que naturalmente seria destinado a ser.

Não, as hegemônicas potências mundiais não tolerariam tal pretensão. Os alimentos, os minérios, o petróleo desse presunçoso quintal continuariam a ser explorados a preços aviltados, como historicamente o tinham sido. 

Às colônias não é dado tornarem-se livres.

3 comentários:

  1. Pensei, caro Mario, que vc estava a falar do brasil tupiniquim.
    Mas, como vc fala de um "gigante adormecido", tenho certeza que não é deste país a que vc está se referindo. Deve ser um outro país Mas, mostra uma grande semelhança com a terra brasilis.
    Sds.

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  2. Ai ai, que um dia esse país possa deixar de ser colônia.

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