Não, não sou escritor. Sou autor, aspirante a escritor.
Sim, considero-me poeta.
Então censuram-me: “Você está se desvalorizando,
subestimando seu talento”. Será? Tenho algum talento? Sim, acho que tenho. Ele
se revelou ainda no ensino fundamental, quando surpreendia professores e
colegas com ocasionais textos e tiradas inspirados. Era como o brilho fosco e fugaz
de uma gema bruta coberta pela pátina da ferrugem. A vida ─ ou fui eu mesmo? ─
não calhou os acasos para remover a pátina, lapidar a gema. Imprescindíveis
para revelar o brilho. Agora, liberado das outras obrigações, dedico-me a tentar
remover a pátina incrustada. Aspiro aperfeiçoar o autor, alcançar o escritor.
Tarde! Ainda terei tempo e disposição?
Seria excesso de timidez? Incapacidade de compreender que a
vida é feita de convicções e ilusões? Ou seriam hipocrisias? Quanto preferimos
nos satisfazer com a aparência ao invés de enxergar a essência! A aparência é
flexível, podemos adaptá-la conforme nosso gosto, nossa necessidade, o gosto do
outro. A essência é a verdade, implacável, gostemos ou não. Então fazemos de
conta. Somos hipócritas. A civilização atual é a civilização da hipocrisia.
Martirizamo-nos com guerras, miséria, corrupção, tiranias, mas não abrimos mão
de privilégios, mentiras, orgulhos e ostentações. O parecer, o ter e o poder são
mais toleráveis que a rigidez da essência, da verdade.
Somos hipócritas até na denominação que nos atribuímos: Homo sapiens. Temos sapiência? O que
temos, que nos distingue, é apurada racionalidade. É ela que nos faz ora sapientes,
ora dementes. Somos sapiens e demens. E parecemos estar vivendo a
civilização da demência. A racionalidade empenhada na desinformação, na
escandalosa acumulação de riqueza por poucos, na depredação da Terra e da
sensibilidade humana, nas guerras de conquista, na destruição da ética, da
espiritualidade.
Não são só os falsos escritores: são falsos democratas, falsos
profetas, falsos pensadores, falsos libertadores, falsos eruditos, falsos
artistas. Habituamo-nos à falsidade e à hipocrisia. Até a cultura e a arte
tornam-se falsas. Perdeu-se a autenticidade, o significado, a essência. Mas um
lampejo da essência ainda arrebata mais que todo o brilho falso da aparência. É
o lado Homo sapiens a resistir.
As hipocrisias são efêmeras. Se sobrevivermos a elas, logo
nos perguntaremos como foi que nos metemos nesse desastrado caminho.
Esse texto é amargo .
ResponderExcluirClaro que vc tiver disponibilidade, tempo e vontade será um " escritor" sem hipocrisia.
Você é ótimo!
ResponderExcluirPois eu li o seu romance e achei muito bom. E pra mim, voce é sim um escritor e bom poeta tambem.
ResponderExcluirabs
Carlos Sa.
Concordo plenamente.
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