O que esses três eventos têm em comum? Vendo-se o filme “Brexit” (Reino Unido, 2018, direção de Toby Haynes), um drama biográfico que tem sido exibido nos canais HBO, deduz-se que têm tudo a ver.
O fenômeno Brexit, o surpreendente resultado do referendo
realizado em 2016 em que a maioria da população do Reino Unido, num pleito
acirrado, decidiu retirar-se da União Europeia, está demandando penosas
negociações ainda nos dias de hoje, três anos depois. O filme de Toby Haynes
nos mostra algumas notáveis e inusitadas peculiaridades daquele pleito. Logo se
consolidaram dois comandos de campanha, um pelo “sai” outro pelo “fica” dos
britânicos na UE. O bloco do “sai” foi comandado por um competentíssimo profissional
das comunicações, comprometido unicamente com o propósito de vencer,
aparentemente sem vínculo ideológico. Ele, inicialmente recrutado por alguns
poucos parlamentares conservadores, logo rompe com seus recrutadores, por
avaliar que suas engessadas visões levariam à derrota. Então de onde veio o
suporte político e financeiro para a exigente e dispendiosa campanha do Brexit?
O filme revela: veio de ultraconservadores republicanos estadunidenses, que
assim financiaram o enfraquecimento da união de países europeus que poderia vir
a fazer alguma sombra a interesses hegemônicos dos EUA.
O bloco do “fica” foi comandado por profissionais com ideologia
definida e politicamente engajados, que acreditaram que o caminho para a
vitória seria o apelo à inteligência dos eleitores britânicos. Já o pessoal do
“sai” enxergou que a vitória seria conquistada com o apelo ao emocional, ao
irracional. E como calibrar esse apelo ao irracional? O competente coordenador
de campanha contratou os serviços da inovadora empresa Cambridge Analytica, com
um aplicativo com algoritmo capaz de, em tempo real, monitorar e analisar o
fluxo de mensagens nas mídias sociais (facebook, twitter, etc.), traçar o
perfil psicológico dos usuários e conceber novas mensagens imediatamente disseminadas,
com conteúdos cientificamente estudados, falsos ou não, destinados a atingir os
twitteiros no cerne de seus obscurantismos e assim conduzi-los irracionalmente
a votar pelo “sai”.
Essa e outras eficazes estratégias da turma do “sai”, como a
identificação e conquista dos indiferentes que, se não estimulados, nem teriam
ido votar, levou à inesperada vitória do Brexit, que tantos embaraços tem
trazido aos países europeus.
E qual a relação entre o Brexit, Trump, Bolsonaro e possivelmente
outros eventos pelo mundo? Vários indícios de semelhança: a desvinculação dos
ganhadores com a política tradicional, o apelo ao irracional e não à
inteligência, a mesma Cambridge Analytica e o uso de farsas midiáticas nas três
campanhas. No caso de Trump o objetivo foi colocar o governo da maior potência
mundial nas mãos de poderes não identificados com a política tradicional, mas
sem dúvida poderes profundamente enraizados, e nem sempre visíveis, no cenário econômico e político global.
No caso do Brexit e de Bolsonaro, o objetivo parece mesmo ter sido
sabotar dois emergentes protagonistas do arranjo mundial, UE e Brasil, e
conduzi-los a posições mais subservientes às mesmas forças que colocaram Trump
no comando dos EUA.
Diante de tudo isso, resta-nos acreditar que bizarras afirmações twittadas
como “o nazismo é de esquerda” não sejam reles bravatas de uma mente doentia,
mas sim produtos cientificamente pesquisados para assegurar que a população
continue refém da irracionalidade.
Brexit, Trump e Bolsonaro também nos dão uma outra lição capital:
o apelo unicamente à inteligência não tem força suficiente para convencer; e o
apelo unicamente à irracionalidade pode levar-nos a escolhas desastrosas. A
mescla razão-emoção, expressa nas palavras sentimento, empatia, compaixão,
talvez possa conduzir-nos a escolhas que promovam a emancipação da humanidade.
A tecnologia vem sendo uma ferramenta extremamente perigosa nas mãos de quem usa inteligência pra afetar nossas emoções. Precisamos urgente achar esse meio termo razão-emoção pra que a tecnologia e essas mentes perversas não nos destruam :(
ResponderExcluirMas eu tenho esperança de que exista inteligências procurando um meio de usar a tecnologia pra esse fim ♥
Ótimo texto pai, arrasou.
Bom dia,
ResponderExcluirEmbora não esteja tão otimista qto a Laura , espero que isso venha a acontecer.
Excelente texto.
Chama a reflexão. Mas quantos querem refletir ?
Vivemos tempo de imediatismo.
Senhor Professor, talvez devemos indagar que estes fenômenos são fatos sociais associados à exteriorização irracional inerente à um regime democrático, pelo qual lutamos ferozmente. As mídias sociais e a imprensa tornaram-se ferramentas utilitaristas e de dominação das massas, consoante comentário supracitado, contudo elas também trouxeram para o palco político, aqueles que eram "outsiders" à politica e ao conhecimento crítico, porquanto o "alto clero" o qual se intitula racional fica isolado em "feudos" das Instituições Universitárias, não levando o debate político ao povo. Fora estas considerações parabenizo o Professor pelo belo texto.
ResponderExcluir