sábado, 18 de maio de 2024

Rio Grande do Sul – a punição da incúria

 Publicado no Jornal da Manhã em 21/05/2024.

A tragédia que acontece no Rio Grande do Sul é o resultado de uma equação com muitas variáveis: aquecimento global, El Niño, chuvas torrenciais, ocupação indevida de planícies de inundação dos rios, ineficazes sistemas de prevenção e combate de enchentes, impermeabilização dos solos agrícolas da bacia de captação, erosão dos solos e assoreamento do leito dos rios... Todas estas variáveis – e esta lista não está completa – têm uma única origem: a incúria humana com o planeta Terra que nos acolhe.

A civilização atual é singular: a população nunca foi tão numerosa, o consumo desenfreado é hiperestimulado, a queima de combustíveis fósseis é recorde, proliferam conflitos armados, arsenais armazenam armas que podem destruir o mundo, concentramos riqueza e distribuímos pobreza, acirramos insegurança e conflitos sociais, extinguimos espécies, desequilibramos ecossistemas, engendramos a disseminação de pandemias, utilizamos avançada tecnologia de desinformação e manipulação, desencadeamos as guerras híbridas e cognitivas, nas quais os inimigos são invisíveis e insidiam-se dentro das mentes, alimentamos a desesperança, a segregação, o ódio, a soberba, a supremacia e a cupidez como lenitivos a que nos agarramos perante o caos e a descrença.

A tragédia no Rio Grande do Sul é só um sinal, como o têm sido o buraco na camada de ozônio, a covid-19, o aquecimento global, as secas inéditas, os incêndios florestais no Canadá, EUA, Austrália, Amazônia e Pantanal, as inundações, os furacões... Alguém já escreveu que Deus perdoa sempre, as pessoas às vezes, a natureza nunca! Ela está nos alertando de nossa incúria e suas consequências.

O planeta Terra é um milagre, que propiciou outro milagre: a vida. Que foi contemplada com a dádiva da inteligência. Só nos faltam os milagres do discernimento, da sensatez. Estes, que já se manifestam, mas ainda não aprendemos a vê-los e valorizá-los, nos trarão a compreensão, a solidariedade, a parcimônia e a paz. Então reconheceremos que temos o privilégio de estarmos vivendo no paraíso dos sonhos humanos. Não um paraíso inerte e sem propósito, mas um paraíso de generosidade infinita, que tudo nos concede. Entretanto, severo com nossos erros, que pune rigidamente, pacientemente nos mostrando qual o caminho certo a seguir: é a Mãe Terra dos povos originários, sábia, generosa e diligente.

A tragédia no Rio Grande do Sul é o fruto amargo de séculos em que a humanidade vem endeusando o mercado financeiro, exacerbando formas de exploração predatória da natureza e do homem pelo homem. O incentivo à competição, ao consumo desenfreado, ao ter mais importante que o ser, tudo deságua numa insana luta de classes, na revolta do ambiente e nos desastres que não são naturais, pois resultam do descuido humano. Estamos transformando o paraíso que é o planeta Terra num inferno. Ainda não compreendemos o significado da parábola de Adão e Eva, da serpente e da maçã, do pecado e da expulsão do paraíso. A serpente é a cupidez, a maçã é a jactância, o pecado é nossa incúria.

Mas, felizmente, não somos só pecadores, seduzidos pela cupidez. Já temos ideia de quais os erros que temos cometido, e como corrigi-los. A Mãe Terra tem-nos demonstrado. Urge passar das ideias às ações.

6 comentários:

  1. Maria Cristina Moraes18 de maio de 2024 às 12:25

    Mario, mais uma vez fico encantada com seu estilo de apresentar a força de destruição da natureza e da humanidade, e ao mesmo nossa fraqueza em assumir nossos erros! Me comparo com os ramos que renascem do tronco, tenho a esperança do renascimento.

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  2. Agir sempre na defesa do nosso ambiente, planeta Terra! Parabéns Mário!

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  3. E como se não bastasse tamanha estupidez do homem, eis que surge, em meio a catástrofe, a iniciativa privada como um super heroi, com suas dezenas de carretas, helicópteros, milhares de toneladas de alimentos, com o intuito de dizer que o estado é ineficiente, e os empresários, os salvadores da pátria. Tudo para esconder a causa da catástrofe e, ao mesmo tempo, legisladores seguem aprovando projetos anti preservação ambiental , tudo em nome de um "progresso" que enriquece poucos e destrói a vida de muitos.
    Clenio - Ponta Grossa PR.




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  4. O que leva o homem que sabe qual é o caminho certo a optar pelo errado? Lucro, cifras, falta de empatia, arrogância e tremenda estupidez. Acho muito triste esta constatação. Mais um texto lúcido e inteligente, Mário.

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  5. Em 1991,quando em Curitiba mostrei o efeito da inversão térmica,fui chamado de planetário,louco,sem conhecimento "acadêmico" para tal....taí ..quem e insano.tai o Pampa Pobre do Gaúcho da Fronteira....sem raiz nem matizes..tks

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  6. Pedro Guimarães,73,parana

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